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Eis alguns modelos correntes de "opinião" bloguista:
>>> O discurso de [um dirigente partidário] foi longo e detalhado. Afinal de contas, a crise toca a todos e ele teve o mérito de não o esconder. Só a gravata não me convenceu. Desconfio daquelas cores. Para a próxima já não lhe dou o benefício da dúvida. E vou repensar o meu voto.<<<
>>> Foi um jogo do gato e do rato. Gostei mais do defesa em linha, mas não percebi como é que o bandeirinha deixou passar aquele fora de jogo do [nome de jogador]... esperem pelas boas quando voltarem ao [estádio].<<<
>>> Não me apetecia ver o filme, mas o [nome de amigo de outro blog] tanto insistiu que fui mesmo. Pensei que era uma daquelas merdas francesas, com muita lábia de que os críticos tanto gostam. Mas não era. E as cenas de porrada são muito boas. É esta a minha crítica ao filme.<<<
* O todo e as partes. Há uma boa vontade, ingenuamente reformista, que circula pela blogosfera e se pode resumir numa perplexidade muito cândida: "Mas afinal não há blogs interessantes? É tudo assim tão mau?" São perguntas que reflectem uma limitação muito típica da ideologia dominante da própria blogosfera: a de que se está sempre a discutir a totalidade de qualquer coisa — a "po-lítica", o "futebol", a "crítica"... De facto, o que está em jogo excede o mero confronto entre "bons" e "maus" blogs. Um pouco como no contexto dos jornais: nem toda a imprensa é cor-de-rosa, mas não é possível discutir o aqui e agora do jornalismo sem ter em conta o poder económico e a contaminação simbólica da imprensa dos "famosos".
* Cultura literária. No cerne desta degradação discursiva está, não apenas um desconhecimento das regras mais rudimentares da inter-venção pública (eventualmente com componentes jornalísticas), mas também um profundo, militante e violento menosprezo pela cultura literária.
E, também neste aspecto, é quase impossível abrir uma qualquer reflexão séria sobre o assunto no interior da própria blogosfera. Porquê? Porque rapidamente se confundirá a complexidade formal e patrimonial da palavra literária com a estupidez ressentida de se saber quem leu "mais" ou "menos" livros. Aliás, é um facto indes-mentível que, todos os dias, pela blogosfera circula a ideia (ou a falta de ideias) segundo a qual o intelectual é aquele que quer impor aos outros o seu próprio saber.
* Escrever/prazer. A cultura literária enraiza-se numa valorização afectiva, existencial e filosófica da palavra escrita ou, no limite, do nobre acto de escrever. Quer isto dizer que nela se celebra a escrita como uma tarefa complexa — e um prazer hiper-complexo — de relação com o mundo e, mais do que isso (ou através disso), com os próprios enigmas que nos habitam e fazem viver. Claro que nas nossas sociedades de esgotado hedonismo, a noção de que o prazer é complexo, difícil e não automático, é uma noção a que todas as maiorias resistem. Entretanto, maioritariamente também, a blo-gosfera reduziu o escrever a uma tarefa meramente instrumental e, pior do que isso, a uma arma de arremesso. Deixou-se de escrever para compreender o mundo e lidar com os seus silêncios — escreve-se para esmagar o outro. Recuperando uma angustiada terminologia de Roland Barthes, poderíamos dizer: na blogosfera rareiam os escritores, proliferam os escreventes.