Será que ainda existe uma arte de rua? O fenómeno Poster Boy é um excelente pretexto para recolocarmos a questão — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 de Fevereiro), com o título 'Os salteadores da arte perdida'.
O fenómeno Poster Boy tornou-se uma assinatura indissociável do quotidiano de Nova Iorque. Artista de rua que tem como actividade principal as intervenções (ilegais) sobre os placards publicitários da rede do metro, Poster Boy foi recentemente preso. Tendo circulado a informação de que estaria presente num evento em Manhattan, para promoção do trabalho videográfico do grupo Friends We Love, a polícia apareceu e deteve-o, divulgando o seu nome: Henry Matyjewicz. Pouco depois, Matyjewicz era libertado sob fiança, aguardando-se a sua apresentação em tribunal. Mais tarde, um e-mail dirigido à polícia proclamava que “Henry Matyjewicz está inocente”, ao mesmo tempo que esclarecia que o seu trabalho (legal) como artista tem como objectivo divulgar as ideias que sustentam a acção de Poster Boy, não um indivíduo, mas um “movimento”.
Os trabalhos de Poster Boy poderão ser inscritos numa tradição cujas raízes estão, como é óbvio, no conceito de colagem aplicado, na primeira metade do século XX, por cubistas e surrealistas. As suas singularidades começam no facto de se tratar de uma arte de rua indissociável dos materiais usados em muitos anúncios contemporâneos. Assim, no metro de Nova Iorque, a maioria desses anúncios já não são impressos em cartão, mas sim num material auto-colante que permite recortar fragmentos e aplicá-los noutras superfícies (outros anúncios, paredes de azulejos, portas das carruagens, etc.).
Esta é uma arte de guerrilha estética que se afirma através da sua vulnerabilidade material e do carácter precário da sua existência. Num video produzido pelo grupo Friends We Love, alguém que é figurado como Poster Boy, filmado de costas ou com a imagem do rosto alterada por processos digitais, explica os fundamentos da sua intervenção: “Gosto da ideia de que se trata de uma coisa que não vai durar, excepto, talvez, online ou nas páginas do Flickr”. Quer isto dizer que esta é uma prática que, em última instância, não pode ser dissociada da sua “resistência” às formas clássicas de exposição pública: Poster Boy sobrevive, não na rua, muito menos no espaço de um museu, mas tão só nas paisagens virtuais da Internet, em particular na citada galeria do Flickr.
No video de Friends We Love, Poster Boy acrescenta que se trata de gerar qualquer coisa que não precisa de ser legitimada por qualquer “instituição”, seja o “mundo da arte”, seja o “sistema educacional”. Daí a sua asserção, afinal clássica: “Só vale a pena ser artista quando se tentam coisas novas e se forçam as convenções”.
Podemos supor que a arte de Poster Boy encontrará, um dia, os seus próprios limites, quanto mais não seja porque não será impossível imaginarmos que a indústria publicitária passe a utilizar novos materiais, impossíveis de manipular com a mesma simplicidade técnica (Poster Boy usa apenas um objecto cortante para resgatar os fragmentos escolhidos). Seja como for, aqui e agora, a sua estranha sedução envolve um peculiar desafio político-simbólico: o de olharmos de forma irónica para as leis correntes do mundo de imagens em que vivemos. Por um lado, Poster Boy contraria a sacralização automática do espaço publicitário; por outro lado, reinventa o quotidiano como espaço artístico. O museu pode esperar.
O fenómeno Poster Boy tornou-se uma assinatura indissociável do quotidiano de Nova Iorque. Artista de rua que tem como actividade principal as intervenções (ilegais) sobre os placards publicitários da rede do metro, Poster Boy foi recentemente preso. Tendo circulado a informação de que estaria presente num evento em Manhattan, para promoção do trabalho videográfico do grupo Friends We Love, a polícia apareceu e deteve-o, divulgando o seu nome: Henry Matyjewicz. Pouco depois, Matyjewicz era libertado sob fiança, aguardando-se a sua apresentação em tribunal. Mais tarde, um e-mail dirigido à polícia proclamava que “Henry Matyjewicz está inocente”, ao mesmo tempo que esclarecia que o seu trabalho (legal) como artista tem como objectivo divulgar as ideias que sustentam a acção de Poster Boy, não um indivíduo, mas um “movimento”.
Os trabalhos de Poster Boy poderão ser inscritos numa tradição cujas raízes estão, como é óbvio, no conceito de colagem aplicado, na primeira metade do século XX, por cubistas e surrealistas. As suas singularidades começam no facto de se tratar de uma arte de rua indissociável dos materiais usados em muitos anúncios contemporâneos. Assim, no metro de Nova Iorque, a maioria desses anúncios já não são impressos em cartão, mas sim num material auto-colante que permite recortar fragmentos e aplicá-los noutras superfícies (outros anúncios, paredes de azulejos, portas das carruagens, etc.).
Esta é uma arte de guerrilha estética que se afirma através da sua vulnerabilidade material e do carácter precário da sua existência. Num video produzido pelo grupo Friends We Love, alguém que é figurado como Poster Boy, filmado de costas ou com a imagem do rosto alterada por processos digitais, explica os fundamentos da sua intervenção: “Gosto da ideia de que se trata de uma coisa que não vai durar, excepto, talvez, online ou nas páginas do Flickr”. Quer isto dizer que esta é uma prática que, em última instância, não pode ser dissociada da sua “resistência” às formas clássicas de exposição pública: Poster Boy sobrevive, não na rua, muito menos no espaço de um museu, mas tão só nas paisagens virtuais da Internet, em particular na citada galeria do Flickr.
No video de Friends We Love, Poster Boy acrescenta que se trata de gerar qualquer coisa que não precisa de ser legitimada por qualquer “instituição”, seja o “mundo da arte”, seja o “sistema educacional”. Daí a sua asserção, afinal clássica: “Só vale a pena ser artista quando se tentam coisas novas e se forçam as convenções”.
Podemos supor que a arte de Poster Boy encontrará, um dia, os seus próprios limites, quanto mais não seja porque não será impossível imaginarmos que a indústria publicitária passe a utilizar novos materiais, impossíveis de manipular com a mesma simplicidade técnica (Poster Boy usa apenas um objecto cortante para resgatar os fragmentos escolhidos). Seja como for, aqui e agora, a sua estranha sedução envolve um peculiar desafio político-simbólico: o de olharmos de forma irónica para as leis correntes do mundo de imagens em que vivemos. Por um lado, Poster Boy contraria a sacralização automática do espaço publicitário; por outro lado, reinventa o quotidiano como espaço artístico. O museu pode esperar.