E se, contra a lógica dos ponteiros do relógio, que rodam ao ritmo de 60 segundos por minuto, em sentido directo, uma vida acontecesse ao contrário? Começaria na velhice e cresceria, ano após ano, revelando cada vez mais evidentes sinais de juventude, como se o relógio que a comanda tivesse os ponteiros irremediavelmente em sentido inverso? Este é o ponto de partida de O Estranho Caso de Benjamin Button, um conto de F. Scott Fitzgerald publicado em 1921 que agora conhece adaptação ao cinema por David Fincher.Com acção transferida de Baltimore para Nova Orleães, o filme acompanha a história de Benjamin Button (interpretado por Brad Pitt), que nasce na noite em que a cidade celebra o fim da Primeira Guerra Mundial. Com pele enrugada, é um velho em corpo de bebé. E contra o diagnóstico do médico, sobrevive. Educado num lar de idosos, não sente na pele o peso da diferença, mas ao mesmo tempo que vê os companheiros a piorar e morrer, rejuvenesce. É nesses dias que conhece Caroline (Cate Blanchett). Entre os dois nasce uma ligação, depois um amor, que, por vivido com ciclos de vida opostos, nasce devagar, encontra equilíbrio na meia-idade, mas acaba condenado a um desfecho que se imagina trágico. História de um amor desencontrado, o filme cruza com as personagens o tempo através do qual evoluem as duas vidas. Da Nova Orleães dos anos 20 à Rússia em tempos da Segunda Guerra Mundial, mais tarde descobrindo a Nova Iorque dos anos 50 ou escutando rock'n'roll nos dias de 60. A viagem no tempo não é ostensiva. Faz-se antes entre guarda roupa, temas das conversas, cenários, música de fundo, mas revela-se determinante suporte de espaço para a história que evolui no tempo. Nota final ainda para uma curta, mas magnífica participação de Tilda Swinton, uma das figuras pelas quais se cruza a vida ao contrário de Benjamin Button.
PS. Versão editada e acrescentada de um texto publicado no DN a 15 de Janeiro.