Este é um fragmento da primeira página do International Herald Tribune [miniatura inserida no texto] do fim de semana (17/18 Janeiro). As memórias do salvamento dos passageiros do avião que caíu em Nova Iorque, nas águas do Hudson, são apresentadas através de uma fotografia que tem o mérito da contundência. Dito de outro modo: além da sua inquestionável função informativa, esta é uma imagem que nos permite ver/perceber como mudou a nossa relação com o visível.
Assim, observar seja o que for passou a ser também, indissociavelmente, recolher imagens através dos mais diversos aparatos (câmaras, telemóveis ou as duas coisas juntas). Na prática, isto significa uma alteração estrutural da nossa pose face ao mundo — e, em boa verdade, do mundo perante os nossos olhos. Já não olhamos tanto à procura de ver ou conhecer, mas marcados por uma certeza insólita: "aquilo" pode ser uma imagem. O drama começa no facto de, por vezes, "aquilo" ser objecto do nosso cândido voyeurismo e também da nossa pueril indiferença.
Que dizer deste real que já contém o desejo da imagem? Será desejo ou apenas uma perversa homogeneização do desejo de desejar? E que dizer destas imagens que podem integrar-se em nós como mais vitais do que as cenas vividas em que foram geradas?
Dir-se-á que a possibilidade de "qualquer um" poder fabricar as suas próprias imagens é um progresso. Provavelmente. Em todo o caso, fica o paradoxo de as imagens individuais terem deixado de ser sentidas como um testemunho, para passarem a circular como parte de uma performance. No limite, tudo isso decorre do triunfo da ideologia televisiva dos apanhados. Que diz essa ideologia? Que o real (fotografado, filmado) não tem valor — só conta o prazer do espectador.
Por vezes, nesta idade de todos os hedonismos, é preciso interrogar o prazer e as suas leis não confessadas. E acrescentar uma coisa fora de moda: que a equação "mais prazer = mais liberdade" pode ser a suprema chantagem de um modo de pensar que não sabe pensar o prazer do outro.