sexta-feira, janeiro 16, 2009

À procura do tempo digital (2)

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Dois relógios rimam sempre, quanto mais não seja porque nos fazem sentir a paradoxal regularidade do tempo — seja qual for o método (ou o objecto) da sua medida, o fluxo temporal é igualmente inexorável. Neste caso, são dois relógios que rimam por mais algumas razões que estão longe de ser banais.
Assim, ambos têm ponteiros que andam para trás: o primeiro surge na abertura do teledisco de Madonna, Bad Girl (1993), e pertence à personagem do anjo da morte (Christopher Walken) que observa o destino trágico da protagonista; o segundo está nas primeiras cenas de O Estranho Caso de Benjamin Button e é uma criação da personagem interpretada por Elias Koteas que tenta, assim, corrigir o sentido do tempo e trazer de volta o seu filho, morto na Primeira Guerra Mundial.
Quer isto dizer que, para além das respectivas semelhanças orgânicas e dramáticas, são dois relógios filmados pelo mesmo cineasta: David Fincher (Bad Girl é um dos quatro telediscos que ele dirigiu para Madonna — os outros são Express Yourself, Oh Father e Vogue, respectivamente de 1989, 89 e 90).
Vale isto como lembraça da perversidade temporal da arte narrativa de Fincher, não apenas desfiando os cânones clássicos da duração, mas também sublinhando, implicitamente, a proximidade com a morte que esse desafio implica. Nesta perspectiva, pode dizer-se que o "velho-que-se-faz-novo-que-se-faz-velho" (Button) é a paradoxal expressão de um tempo muito nosso — chamemos-lhe digital — em que tudo está em contacto com tudo, gerando uma paisagem de angustiada horizontalidade melodramática.
Por vezes, o génio de Fincher exprime-se na área da publicidade. Veja-se este anúncio (Fate), por ele realizado para a Nike, tendo como protagonistas duas vedetas do futebol americano: LaDainian Tomlinson e Troy Polamalu — observe-se a passagem do tempo através das duas personagens centrais e repare-se na ambivalência do desenlace (a música é de Ennio Morricone).



>>> Sobre Bad Girl: madonna.ch + Wikipedia.