O envolvimento de Bruce Springsteen com a campanha de Barack Obama é apenas o sinal mais próximo de uma trajectória artística sempre ligada ao trabalho político como componente visceral da cultura popular. Um quarto de século passado sobre a edição do emblemático Born in the USA, Bruce lança agora um novo e magnífico álbum com um título também carregado de simbologia: Working on a Dream. Este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Janeiro), com o título 'Springsteen refaz o sonho americano'.
No dia 18 de Janeiro, no concerto “We Are One”, de celebração da tomada de posse de Barack Obama, Bruce Springsteen cantou This Land Is Our Land, com Pete Seeger. Foi um momento de luminosa confluência de símbolos: desde logo porque se tratava de uma canção lendária, escrita por Woody Guthrie, figura tutelar da folk americana; depois porque a companhia de Seeger, à beira de completar uns radiosos 90 anos (3 de Maio), sublinhava esse elo vital com a tradição da música popular; finalmente porque Springsteen ilustrava assim, não apenas o seu apoio a Obama, traduzido na participação em alguns concertos da respectiva campanha, mas também um continuado empenho na vida política dos EUA.
Nascido em 1949, Springsteen sempre foi uma personalidade eminentemente política, e com uma obra contaminada por muitas temáticas políticas, mesmo se isso não permite caracterizá-lo segundo os padrões do “militante” (sobretudo se tais padrões forem de raiz europeia). A sua dimensão política não nasce de formas oficiais de “filiação”, mas sim de um sentido crítico, e de um gosto de intervenção pública, que é inerente à própria tradição folk.
Nesta perspectiva, podemos defini-lo através de um estatuto comum a todos aqueles, de Woody Guthrie a Bob Dylan, cujas raízes estão no vasto mundo da folk: a de um exemplar contador de histórias. E bastará recordar os seus dois primeiros álbuns, ambos de 1973, na altura uma revelação explosiva na música americana: Greetings from Asbury Park, N.J. e The Wild, the Innocent & the E Street Shuffle são, de uma só vez, evocações directas da juventude do seu criador, em New Jersey, e também pequenos contos ou fábulas sobre um tempo de muitas dúvidas e perplexidades (além do mais, com os traumas da guerra do Vietname bem sensíveis).
A partir daí, pode dizer-se que Springsteen não só tinha encontrado a sua identidade criativa, como encetava um processo de introspecção e pesquisa que viria a ter um momento exemplar em The River (1980), álbum que, nomeadamente na canção-título, canta o universo de uma classe operária que, afinal, pouco tem a ver com as cores e os temas do imaginário político europeu, antes surgindo ligada a um profundo romanesco que é indissociável do património literário e cinematográfico dos EUA.
É curioso referir que Nebraska (1982), o álbum que se sucedeu a The River, corresponde a um verdadeiro retorno às origens, com Springsteen a consumar uma extraordinário “one-man-show”: Nebraska foi gravado em casa do próprio Springsteen, com ele a assumir todos os papéis, incluindo a utilização da guitarra acústica e da harmónica (e, esporadicamente, alguns toques de guitarra eléctrica).
Logo a seguir a Nebraska, o álbum Born in the USA (1984) daria a Springsteen aquele que seria, talvez, o mais inesperado dos estatutos: o de estrela pop, em boa verdade uma das primeiras figuras emblemáticas da MTV (criada em 1981). Os telediscos de Born in the USA e, sobretudo, Dancing in the Dark foram peças decisivas para o impacto do álbum que continua a ser o maior sucesso de toda a sua carreira, com mais de 15 milhões de exemplares vendidos (apenas nos EUA).
Agora, com o álbum Working on a Dream, Springsteen reencontra um espírito de exaltação do imaginário popular americano que, como é óbvio, está desde logo presente na canção que lhe serve de título: a ideia de “trabalhar num sonho”, para além de remeter para todo um espírito colectivo de (re)construção, acaba por rimar com o voto de refazer (“remaking America”) expresso pelo próprio Obama.
Afinal de contas, em 2002, com The Rising, Springsteen tinha sido um dos primeiros a lidar com as feridas do 11 de Setembro, cantando a possibilidade de um renascimento que teria que passar sempre pela reavaliação da própria identidade colectiva. Aliás, o concerto para Obama foi, na verdade, um reencontro: em 2006, com o álbum We Shall Overcome: The Seeger Sessions, ele tinha já revisitado as canções de Pete Seeger, reabrindo as portas do sonho.
>>> Do novo álbum, este é o teledisco de My Lucky Day.
No dia 18 de Janeiro, no concerto “We Are One”, de celebração da tomada de posse de Barack Obama, Bruce Springsteen cantou This Land Is Our Land, com Pete Seeger. Foi um momento de luminosa confluência de símbolos: desde logo porque se tratava de uma canção lendária, escrita por Woody Guthrie, figura tutelar da folk americana; depois porque a companhia de Seeger, à beira de completar uns radiosos 90 anos (3 de Maio), sublinhava esse elo vital com a tradição da música popular; finalmente porque Springsteen ilustrava assim, não apenas o seu apoio a Obama, traduzido na participação em alguns concertos da respectiva campanha, mas também um continuado empenho na vida política dos EUA.
Nascido em 1949, Springsteen sempre foi uma personalidade eminentemente política, e com uma obra contaminada por muitas temáticas políticas, mesmo se isso não permite caracterizá-lo segundo os padrões do “militante” (sobretudo se tais padrões forem de raiz europeia). A sua dimensão política não nasce de formas oficiais de “filiação”, mas sim de um sentido crítico, e de um gosto de intervenção pública, que é inerente à própria tradição folk.
Nesta perspectiva, podemos defini-lo através de um estatuto comum a todos aqueles, de Woody Guthrie a Bob Dylan, cujas raízes estão no vasto mundo da folk: a de um exemplar contador de histórias. E bastará recordar os seus dois primeiros álbuns, ambos de 1973, na altura uma revelação explosiva na música americana: Greetings from Asbury Park, N.J. e The Wild, the Innocent & the E Street Shuffle são, de uma só vez, evocações directas da juventude do seu criador, em New Jersey, e também pequenos contos ou fábulas sobre um tempo de muitas dúvidas e perplexidades (além do mais, com os traumas da guerra do Vietname bem sensíveis).
A partir daí, pode dizer-se que Springsteen não só tinha encontrado a sua identidade criativa, como encetava um processo de introspecção e pesquisa que viria a ter um momento exemplar em The River (1980), álbum que, nomeadamente na canção-título, canta o universo de uma classe operária que, afinal, pouco tem a ver com as cores e os temas do imaginário político europeu, antes surgindo ligada a um profundo romanesco que é indissociável do património literário e cinematográfico dos EUA.
É curioso referir que Nebraska (1982), o álbum que se sucedeu a The River, corresponde a um verdadeiro retorno às origens, com Springsteen a consumar uma extraordinário “one-man-show”: Nebraska foi gravado em casa do próprio Springsteen, com ele a assumir todos os papéis, incluindo a utilização da guitarra acústica e da harmónica (e, esporadicamente, alguns toques de guitarra eléctrica).
Logo a seguir a Nebraska, o álbum Born in the USA (1984) daria a Springsteen aquele que seria, talvez, o mais inesperado dos estatutos: o de estrela pop, em boa verdade uma das primeiras figuras emblemáticas da MTV (criada em 1981). Os telediscos de Born in the USA e, sobretudo, Dancing in the Dark foram peças decisivas para o impacto do álbum que continua a ser o maior sucesso de toda a sua carreira, com mais de 15 milhões de exemplares vendidos (apenas nos EUA).
Agora, com o álbum Working on a Dream, Springsteen reencontra um espírito de exaltação do imaginário popular americano que, como é óbvio, está desde logo presente na canção que lhe serve de título: a ideia de “trabalhar num sonho”, para além de remeter para todo um espírito colectivo de (re)construção, acaba por rimar com o voto de refazer (“remaking America”) expresso pelo próprio Obama.
Afinal de contas, em 2002, com The Rising, Springsteen tinha sido um dos primeiros a lidar com as feridas do 11 de Setembro, cantando a possibilidade de um renascimento que teria que passar sempre pela reavaliação da própria identidade colectiva. Aliás, o concerto para Obama foi, na verdade, um reencontro: em 2006, com o álbum We Shall Overcome: The Seeger Sessions, ele tinha já revisitado as canções de Pete Seeger, reabrindo as portas do sonho.
>>> Do novo álbum, este é o teledisco de My Lucky Day.