
No dia 18 de Janeiro, no concerto “We Are One”, de celebração da tomada de posse de Barack Obama, Bruce Springsteen cantou This Land Is Our Land, com Pete Seeger. Foi um momento de luminosa confluência de símbolos: desde logo porque se tratava de uma canção lendária, escrita por Woody Guthrie, figura tutelar da folk americana; depois porque a companhia de Seeger, à beira de completar uns radiosos 90 anos (3 de Maio), sublinhava esse elo vital com a tradição da música popular; finalmente porque Springsteen ilustrava assim, não apenas o seu apoio a Obama, traduzido na participação em alguns concertos da respectiva campanha, mas também um continuado empenho na vida política dos EUA.
Nascido em 1949, Springsteen sempre foi uma personalidade eminentemente política, e com uma obra contaminada por muitas temáticas políticas, mesmo se isso não permite caracterizá-lo segundo os padrões do “militante” (sobretudo se tais padrões forem de raiz europeia). A sua dimensão política não nasce de formas oficiais de “filiação”, mas sim de um sentido crítico, e de um gosto de intervenção pública, que é inerente à própria tradição folk.

A partir daí, pode dizer-se que Springsteen não só tinha encontrado a sua identidade criativa, como encetava um processo de introspecção e pesquisa que viria a ter um momento exemplar em The River (1980), álbum que, nomeadamente na canção-título, canta o universo de uma classe operária que, afinal, pouco tem a ver com as cores e os temas do imaginário político europeu, antes surgindo ligada a um profundo romanesco que é indissociável do património literário e cinematográfico dos EUA.
É curioso referir que Nebraska (1982), o álbum que se sucedeu a The River, corresponde a um verdadeiro retorno às origens, com Springsteen a consumar uma extraordinário “one-man-show”: Nebraska foi gravado em casa do próprio Springsteen, com ele a assumir todos os papéis, incluindo a utilização da guitarra acústica e da harmónica (e, esporadicamente, alguns toques de guitarra eléctrica).

Agora, com o álbum Working on a Dream, Springsteen reencontra um espírito de exaltação do imaginário popular americano que, como é óbvio, está desde logo presente na canção que lhe serve de título: a ideia de “trabalhar num sonho”, para além de remeter para todo um espírito colectivo de (re)construção, acaba por rimar com o voto de refazer (“remaking America”) expresso pelo próprio Obama.
Afinal de contas, em 2002, com The Rising, Springsteen tinha sido um dos primeiros a lidar com as feridas do 11 de Setembro, cantando a possibilidade de um renascimento que teria que passar sempre pela reavaliação da própria identidade colectiva. Aliás, o concerto para Obama foi, na verdade, um reencontro: em 2006, com o álbum We Shall Overcome: The Seeger Sessions, ele tinha já revisitado as canções de Pete Seeger, reabrindo as portas do sonho.
>>> Do novo álbum, este é o teledisco de My Lucky Day.