De todos os cantos do mundo, chegam-nos notícias com imagens como esta, aqui em cima — e de forma mais ou menos voluntária, pensamos em imagens como esta outra, em baixo: Veneza está a ser atingida pelas maiores cheias dos últimos 20 anos, numa celebração (os turistas deixam-se fotografar, risonhos, com botas de borracha) que exprime a consciência da morte possível da cidade, ou melhor, a sua precária e fascinante existência, sempre nessa fronteira imaginada entre o viver e o morrer. Há algo de absurdo, quase absurdamente burlesco, nesta ameaça que nasce daquilo que, em Veneza, se confunde com um ex-libris: a própria água. É um absurdo que, na confusão de valores (ou na falta deles) que distingue o nosso tempo, nos faz pensar que, apesar de tudo, ainda nos reconhecemos em alguma réstea de civilização. Se Veneza morrer, acreditaremos ainda menos no acto de viver. Quando Veneza morrer... Até lá, nenhuma imagem de destruição consegue apagar o insondável da beleza. Parece mesmo redobrar a dor que sempre a habita.