terça-feira, dezembro 02, 2008

Discos da semana, 1 de Dezembro

E não é que parecia que o ano acabava sem que chegasse “o” álbum capaz de assentar que nem uma luva ao mais central dos cânones maiores do chamado som pop/rock de alma indie? Ou seja, o disco herdeiro do altar Velvet Underground + Joy Division (mais referência, menos referência, mais tempero, menos tempero), que teve no ano passado visibilidade maior (e aclamação) no mais recente álbum dos The National. “O” disco chegou na forma de You & Me, quinto álbum dos The Walkmen, uma banda nascida em Nova Iorque da reunião de músicos crescidos, em grande parte, na área de Washington DC. Na verdade já todos tinham experiência na música feita na “grande maçã”, três deles a bordo dos Jonathan Fire Eater, dois nos The Recoys. Em 1998 a separação dos primeiros abriu portas para a criação da banda, que então conheceu primeira sede de trabalho num pequeno estúdio no Harlem. Até aqui relativamente longe do gume das atenções (um pouco como acontecera aos The National pré-Boxer, apesar do “despertar” de curiosidades com Alligator), os The Walkmen conceberam aqui um dos mais estimulantes dos discos que, nos últimos anos, aceitaram este “cânone” como ponto de partida. Porém, ao contrário das multidões que continuam a fazer vénias às figuras de referência que edificaram este mesmo filão central da identidade pop/rock alternativa sem mostrar vontade de fugir às regras (e veja-se como se esgotaram rapidamente as ideias dos Interpol, Editors ou tantos outros) os The Walkmen propõem aqui uma deliciosa montra de “heresias”. Heresias que, sem contrariar a alma solitária que assombra canções magoadas, pincela cenários com linhas e cores que cativam atenções e sugerem novos olhares sobre velhos princípios. Aqui se fala de praia, da areia que ficou na mala e do sal que ainda se sente nos dentes... Por aqui paira um desencanto teatral à la Tom Waits... Metais temperam com outra melancolia momentos como Red Moon ou Canadian Girl. E esta última quase parece piscar o ouvido às genéticas da canção soul... Depois de experiências menos “canónicas” em discos recentes, You & Me assinala o reencontro dos The Walkmen com a identidade primordial da sua obra. Fá-lo não apenas sob a já citada vontade em abordar de forma estimulante, sem contudo sentir a necessidade de transgredir, um espaço já “clássico” da cultura indie. Mas também com uma impressionante colecção de camções. Os fiéis do “cânone” podem dar-se por bem servidos!
The Walkmen
“You & Me”

Talitres Records
4 / 5
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Nem todos os tropeções “arrumam” uma carreira. Mais um exemplo deste cenário é o que podemos agora encontrar com os The Killers, representando o novo (e até mesmo irresistível) Day & Age a melhor surpresa para os que, depois do desapontante Sam’s Town, quase tinham desistido do grupo de Las Vegas... A sua entrada em cena, em 2004, deles fez um dos casos do ano. Num tempo em que novas bandas, animadas pela (re)descoberta de velhas referências do pós-punk de finais de 70 e inícios de 80, brotavam, como cogumelos, de ambos os lados do Atlântico, os The Killers pareciam ser dos raros casos em que parecia haver mais que os “três” minutos de fama da praxe. Era os mais ingleses entre os novos grupos norte-americanos. E em Hot Fuss conheceram um magnífico cartão de visita. Porém, ao dar o segundo passo, trocaram o 80 pelo 8... Apontaram azimutes a grandes tradições rock’n’roll norte-americanas, e fizeram de Sam’s Town um dos segundos álbuns mais desapontantes da década... Seguiu-se um disco de notas soltas, lados B e colaborações. Interessante, mas pouco mais... Souberam sair de cena, repensar ideias, chamar os parceiros certos (nomeadamente Stuart Price para a mesa da produção) e agora mostram em Day & Age sinais de um renascimento em plenitude. O álbum, que na verdade mostra uma colecção de canções mais gourmet e um sentido de corpo mais sólido que a promissora estreia de 2004, é até agora o melhor disco da banda. Não abdica da intensidade rock’n’roll que lhe corre entre as referências, mas enfrenta, como nunca, uma evidente paixão pelo melodismo da melhor pop, pela sua teatralidade e glamour, por uma luminosidade que definitivamente derrota as trevas... Human, o single de abertura, é o “clássico” pop que ainda faltava a 2008, e propõe algo que poderíamos descrever como uma aventura rock’n’roll assinada pelos Pet Shop Boys. Há aqui ecos do balanço white funk do Bowie de inícios de 80 (Joy Ride), de um gosto pela construção de hinos (A Dustland Fairytale é disso bom exemplo), uma curiosidade pela exploração de cenografias (com inesperada incursão lounge em I Can’t Stay)... O alinhamento mostra que são aqui muitos os motivos de celebração de uma identidade que não se deve confundir com mero acto de maquilhagem. O artifício, a festividade, o apelo da forma, são características estruturais em muitas das grandes histórias da pop. São ingredientes que os Killers conhecem e aqui mostram saber dominar. Um festim pop, portanto, ainda a tempo de escrever a história de 2008.
The Killers
“Day & Age”
Island / Universal
4 / 5
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Pode uma brincadeira entre colegas de universidade tornar-se num caso sério? A história dos Department of Eagles pode responder à questão. Tudo começou nos dias em que Daniel Rossen e Fred Nicolaus partilhavam um quarto. Eram estudantes universitários em Nova Iorque e, entre amigos e colegas da residência universitária foram apresentando (como The Whitey On The Moon UK) a música que faziam nas horas vagas. Música essencialmente feita de colagens de sons e de ideias, que chegaram mesmo a editar em discos de tiragem limitada. Em 2003, um álbum de estreia mostrava heranças directas dessas experiências. Mas a integração de Daniel Rossen nos Grizzly Bear tomou o seu tempo, o que colocou a aventura Department Of Eagles temporariamente na prateleira. Até que, reactivada em 2007, a banda assumiu o regresso como espaço para mais que uma mera ginástica de desentorpecimento. Trazendo a bordo, para as sessões de estúdio, mais dois parceiros dos Grizzly Bear, o segundo álbum de Departent Of Eagles cresceu com corpo e personalidade bem diferente do que a memória guarda de The Cold Nose. Munidos de uma armada de instrumentos capaz de suportar ambições de uma certa grandiosidade quase sinfónica, criaram uma eloquente colecção de canções. Mais próximo das lições de um Van Dyke Parks que da opulência orquestral de um Scott Walker (em finais de 60, entenda-se), In Ear Park é um monumento pop/rock orquestral de rara elegância, mantendo viva a curiosidade pelos sons dos primeiros tempos de vida da banda, mas entregando-a agora a uma escrita de canções claramente mais consistente. Dedicado à memória do pai de Daniel Rossen, é um álbum dominado por meditações sobre a memória e a perda (bem distantes da elegia minimalista de Panda Bear em Young Prayer). Mais reflectido que qualquer anterior edição da banda, In Ear Park tem quase o sabor de uma estreia inspirada. E agora? Poderá a carreira dos Grizzly Bear devolver à prateleira a valente dose de possibilidades que este disco sugere?
Department Of Eagles
“In Ear Park”
4AD / Popstock
4 / 5
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Mikes Kane pode agradecer à parceria com o amigo Alex Turner (dos Arctic Monkeys), mais conhecida como The Last Shadow Puppets, as poucas migalhas de atenção que, mesmo assim, tem merecido o apenas curioso álbum de estreia dos seus The Rascals, afinal, a sua banda-base. Banda do Noroeste inglês, estrearam-se em disco há precisamente um ano com um primeiro EP. Rascalize (editado em Junho, mas só agora distribuído entre nós), é o esperado álbum de estreia. Esperado por aqueles que descobriram a voz e talento instrumental de Miles nos Last Shadow Puppets e que, confiando na vida paralela de Alex Turner, esperavam algo do calibre (não confundir com “no género”) de uns Arctic Monkeys. Tiro em falso! Rascalize em nada chega aos calcanhares da pop elegante e retrospectiva de Last Shadow Puppets. É apenas mais uma colecção de canções de apenas mais uma banda indie britânica. Tão iguais a tantas outras, tendo já sido apontada familiaridade com nomes como os Zutons ou The Coral... Tudo nomes que, na próxima década, serão já ilustres esquecidos. As canções ocasionalmente procuram ir além do quotidiano para guitarra, baixo e bateria do som indie britânico menos dado a emoldurar as ideias. Há aqui e ali sinais de uma composição capaz de entender o ABC da pop. E até uma ou outra canção menos má... Mesmo assim, sem evidências de “génio” na escrita, ao disco falta o tempero oportuno que poderia ajudar a levantar Rascalize da fasquia quase ao nível da água do mar em que se afoga. Não seria preciso chamar Owen Pallett para assinar arranjos de cordas. Mas entre os três Rascals não parece haver gastrónomo que destas canções faça sair mais sabores...
The Rascals
“Rasvalize”

Deltasonic / Popstock
2 / 5
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Há dois anos, a estreia dos Cold War Kids dividiu opiniões. Coisa, de resto, sempre saudável, que bem menos estimulantes são as unanimidades. Dois anos depois, Loyalty to Loyalty não deverá ter a mesma sorte. O disco é mesmo mauzinho... Tipo tábua rasa de ideias e acontecimentos, sem carregar em si argumentos capazes de activar o entusiasmo mesmo entre aqueles que, frente a Robbers & Cowards, aderiram então às canções do grupo de Fullerton (Califórnia). Na essência o novo disco não parece mudar muito entre o que conhecíamos como ingredientes centrais do álbum de estreia dos Cold War Kids, perdendo-se contudo o gosto pela construção de híbridos que lhes deu então as suas melhores canções. Lá está a vénia reverencial a Jeff Buckley, mas com uma voz que, mesmo partilhando o mesmo gosto pelo desafio em terreno difícil, se revela absolutamente incapaz de sugerir empatia. Na verdade, é presença tremendamente desinspirada... Aqui sentimos ainda ecos da herança “velvetiana”, traços já distantes dos velhos R.E.M. Bem mais evidente que no álbum de estreia sente-se de novo uma vontade de piscar o olho a genéticas dos blues, numa arte final que gosta de deixar visíveis as angulosidades. Podem ter sentido vontade de seguir as pisadas de uns White Stripes, com os quais estiveram para fazer uma digressão. Mas qualquer comparação entre estas canções e as menos interessantes do duo Jack & Meg é pura coincidência. O álbum é assolado por um excessivo protagonismo da voz pouco entusiasmante de Nathan Willett. E, convenhamos, revela uma colecção de canções claramente menos interessante que a que mostravam no (apenas mediano) álbum de estreia.
Cold War Kids
“Loyalty to Loyalty”
V2 / Popstock
1 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Murcof, John Zorn, Johnny Cash (caixa), Klaus Schulze + Lisa Gerrard, The Dodos (ed nacional)

Brevemente:
8 de Dezembro: Marianne Faithfull, Neil Young (live), The Smiths (caixa), Razorlight, Pavement (reedição) Tke Kinks (caixa) , Isobel Campbell (EP), Mark Kozelek, Johann Johansson
15 de Dezembro: Frank Sinatra, April March, Wombats
22 de Dezembro: Hot Chip + Robert Wyatt, Toots & The Maytals

Dezembro: Dakota Suite, Yelle (remix), Shirley Bassey (reedições), Elvis Presley (reedições)
Janeiro: Franz Ferdinand, Antony & The Johnsons, Animal Collective, FSOL, Benji Hughes, Doismileoito, Motown 50 (ed nacional)