Ontem, dia 18 de Novembro, Mickey, a personagem mais célebre de Walt Disney, completou 80 anos — este texto foi publicado no Diário de Notícias, com o título 'Disney pop'.
Provavelmente, há toda uma geração de espectadores que descobriram Mickey de forma indirecta e mais ou menos perversa. Penso, claro, nas variações que Andy Warhol criou sobre o rato dos estúdios Disney, por assim dizer conferindo-lhe a dignidade (e também a lógica de multiplicação iconográfica) de outras referências mais ou menos universais, desde Marilyn Monroe à lata das sopas Campbell.
A esse propósito, aliás, vale a pena perguntar se Walt Disney alguma vez imaginou, ou desejou, que a sua figurinha animada pudesse vir a ser transfigurada em símbolo de um estado do capitalismo em que a proliferação das formas de consumo se confunde com a ilusão de uma felicidade utópica. É bem certo que, ao comemorarmos 80 anos de Mickey, vivemos uma das crises mais agudas desse sistema económico/cultural que, afinal, o gerou, produziu e reproduz. Seja como for, talvez que a sua resistência decorra da sua própria raridade nostálgica. Na verdade, não sendo uma personagem ciclicamente relançada por novos filmes, Mickey passou a existir como ícone de um museu imaginário de que o DVD constitui, por assim dizer, o pavilhão nobre (em termos comerciais, pelo menos). E não deixa de ser desconcertante que o título mais emblemático de Mickey, Fantasia (1940), seja também o testemunho paradoxal de um mundo já ferido pela violência da Segunda Guerra Mundial.
Um dos mais irónicos exemplos da maleabilidade iconográfica de Mickey tem a chancela de Madonna e Herb Ritts, um dos fotógrafos que mais subtilmente soube interpretar e encenar a exuberância pop da Material Girl. É uma fotografia em que ela se apresenta com as orelhas de Mickey, no ambiente cool de um hotel de Tóquio. Obtida em 1987, serviria de capa ao single de Dear Jessie, tema do álbum Like a Prayer (1989). E não dizemos que Madonna se apresenta "disfarçada de Mickey", mas sim "com orelhas de Mickey". Warhol bem o mostrou: um ícone é, afinal, uma coisa que podemos usar.
Provavelmente, há toda uma geração de espectadores que descobriram Mickey de forma indirecta e mais ou menos perversa. Penso, claro, nas variações que Andy Warhol criou sobre o rato dos estúdios Disney, por assim dizer conferindo-lhe a dignidade (e também a lógica de multiplicação iconográfica) de outras referências mais ou menos universais, desde Marilyn Monroe à lata das sopas Campbell.
A esse propósito, aliás, vale a pena perguntar se Walt Disney alguma vez imaginou, ou desejou, que a sua figurinha animada pudesse vir a ser transfigurada em símbolo de um estado do capitalismo em que a proliferação das formas de consumo se confunde com a ilusão de uma felicidade utópica. É bem certo que, ao comemorarmos 80 anos de Mickey, vivemos uma das crises mais agudas desse sistema económico/cultural que, afinal, o gerou, produziu e reproduz. Seja como for, talvez que a sua resistência decorra da sua própria raridade nostálgica. Na verdade, não sendo uma personagem ciclicamente relançada por novos filmes, Mickey passou a existir como ícone de um museu imaginário de que o DVD constitui, por assim dizer, o pavilhão nobre (em termos comerciais, pelo menos). E não deixa de ser desconcertante que o título mais emblemático de Mickey, Fantasia (1940), seja também o testemunho paradoxal de um mundo já ferido pela violência da Segunda Guerra Mundial.
Um dos mais irónicos exemplos da maleabilidade iconográfica de Mickey tem a chancela de Madonna e Herb Ritts, um dos fotógrafos que mais subtilmente soube interpretar e encenar a exuberância pop da Material Girl. É uma fotografia em que ela se apresenta com as orelhas de Mickey, no ambiente cool de um hotel de Tóquio. Obtida em 1987, serviria de capa ao single de Dear Jessie, tema do álbum Like a Prayer (1989). E não dizemos que Madonna se apresenta "disfarçada de Mickey", mas sim "com orelhas de Mickey". Warhol bem o mostrou: um ícone é, afinal, uma coisa que podemos usar.