segunda-feira, novembro 10, 2008

Discos da semana, 10 de Novembro

São geralmente interessantes as histórias de músicos que começam a projectar um futuro na música “erudita” mas que acabam rendidos ao apelo irresistível da canção pop... Exemplos? Tantos, de um Kelley Polar a um Arthur Russell, de um John Cale à dupla Hutter/Schneider (Kraftwerk)... Leo Chadburn é mais um exemplo a ter em conta. Formado na inglesa Guildhall School Of Music and Drama, desenvolve há já alguns anos um trabalho de composição, com resultados frequentemente apresentados em galerias, palcos da “alta cultura” e museus. A curiosidade (e o gosto) pela pop levou-o a criar um alter-ego. Chamou-lhe Simon Bookish e com este nome editou um álbum em 2006 e um outro em 2007, assinou remisturas para figuras como os Franz Ferdinand ou Grizzly Bear e colaborou com Patrick Wolf ou os St Etienne. Depois de dois discos essencialmente construídos com o auxílio de um laptop, o seu terceiro é um espantoso ciclo de canções para metais, piano, harpa e órgão. Everything/Everything, como os dois álbuns anteriores, revela o prazer da construção de canções em volta de um conceito não apenas definido pelas opções de composição e instrumentação, mas também fiel a uma sugestão temática. Os universos da ciência e da informação (na idade do excesso de informação) são pontos de partida e destinos para canções que não escondem um confesso gosto pela pop, pelos minimalistas norte-americanos e os modernistas europeus. As canções, onde a surpresa muitas vezes rompe modelos e foge a padrões vulgares, fazem bom uso da instrumentação convocada e acolhem que nem uma luva a sua voz de travo crooner. Este primeiro álbum de Simon Bookish para a Tomlab pode juntar-se ao relativamente recente He Poos Clouds, do projecto Final Fantasy de Owen Pallett, sugerindo mais uma importante contribuição para a recriação, na idade da cultura pop, da noção de ciclo de canções herdada do século XIX. Como no álbum de Final Fantasy não somos aqui confrontados com uma mera colecção de elegantes canções, acolhidas sobre o chapéu de um título comum. Há uma noção de corpo a uni-las, da temática aos arranjos, servindo nas entrelinhas um peculiar sentido de humor. The Flood convida a entrar. Dumb Terminal arrebata e semeia ainda mais curiosidade... E o resto alinhamento não desilude. Na verdade poucos discos sabem alimentar o prazer da descoberta como Everything/Everything. E assim nasce um dos mais inesperados “casos” de 2008.
Simon Bookish
“Everything/Everything”

Tomlab/Flur
5 / 5
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A procura de caminhos para a assimilação de dados colhidos nas chamadas músicas do mundo em espaços da cultura urbana contemporânea conhece, há já algum tempo, terreno fértil junto dos Gang Gang Dance. Colectivo reunido em Brooklyn em 2001 (com antecedentes em projectos anteriores), desenvolve desde então uma linguagem alheia às fronteiras dos géneros (e de quaisquer noções de geografia), em busca de formas que sistematicamente desafiam rótulos e conceitos. A capa do novo Saint Dymphna, por sugestões várias que possa lançar, em nada traduz o mais vasto universo de caminhos que a música herda, cruza, baralha, e lança depois buscando novos rumos... Mais que em anteriores discos, o cocktail de sabores e destinos aqui proposto revela um aprumar da procura encetada em 2001. Sem perder liberdades nas fontes e nas formas, o disco sugere uma vontade de arrumação de condimentos mais reflectida. Não que seja destino obrigatório de cada um dos 11 temas do álbum o encontro com a canção. Nem que se tenha arquivado a pulsão de abstracção que ocasionalmente corre por esta música. Antes procurando aproveitar em pleno o tutano de referências que vão do apelo neo-tribal (partilhado por nomes como os Animal Collective ou Yeahsayer) ao ocasional geometrismo electrónico alemão, do trip hop ao dinamismo da cultura breakbeat, naturalmente sem pôr de lado os temperos colhidos mais longe, sobretudo em diversas latitudes e culturas africanas. E juntando de novo uma nutritiva curiosidade pelo dubstep e grime... Podemos estabelecer até alguma relação entre o que se escuta em Saint Dymphna e a memória de semelhante “mash” de referências bem arrumado, mas nem por isso pasteurizado (igualmente com África nos temperos), da obra em disco de Malcolm McLaren em inícios de 80, ensaiando uma linguagem contemporânea atenta à diversidade miscigenada da nova cultura urbana. Brian Eno e um gosto pelo trabalho textural sobrevoam um álbum que mostra que a digestão da world music pode resultar em ideias nos antípodas de uma atitude tradicional.
Gang Gang Dance
“Saint Dymphna”

Warp / Vortex
4 / 5
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O rótulo “one hit wonders” assenta perfeitamente sobre a história dos The Passions, de quem muitas vezes mais se não recorda que o single de 1981 I’m In Love With A German Film Star. Destino algo injusto para a obra de uma das muitas bandas que, na Inglaterra pós-punk, ajudaram a inventar uma nova alma urbana e cinzenta em forma de canção que se revelaria determinante na definição de uma vasta população da vida pop de 80 (e que tem estado visivelmente presente como referência em muita da criação pop dos últimos anos). O single que, mesmo assim, os inscreveu na história de 80, pode hoje ser convite à redescoberta do que para muitos acabou esquecido. Curiosamente, é uma das canções da sua fornada com mais versões gravadas, por nomes que vão de uns Linoneum a uns Foo Fighters, de Kish Mauve a Rufus Pintdexter, de Kastun a The Glimmer Room. Desconhecidos na sua maioria, é verdade, mas muitos tendo criado a versão deste tema nos últimos meses. Sam Taylor-Wood (uma fotógrafa e realizadora de cinema essencialmente experimental), em conjunto com os Pet Shop Boys junta-se à lista, com aquela que pode bem ser a versão mais capaz de fazer renascer o interesse pela redescoberta do tema original e da banda que o criou (não é por acaso que, há poucas semanas, a Cherry Red reeditou o álbum Thirty Thousand Feet Over China, que inclui a versão original da canção). O single que apresenta a nova leitura é, na versão em CD, uma suculenta colecção de remisturas, servidas em variados géneros e sabores. As duas versões conduzidas pelos Pet Shop Boys seguem as sugestões da leitura original, juntando-lhe um sentido de elegância, a dose necessária de sinfonismo e algum apelo melodramático. Gui Boratto despe a opulência à essência de um minimalismo onde a canção não perde a identidade. Jurgen Paape sublinha a estrutura electro, mas mantém viva a alma pop do original. Mark Redeer, a fechar a colecção de leituras, sugere variações curiosamente mais próximas do historial electro pop, de afinidade disco, dos Pet Shop Boys que o que se escuta na abordagem da própria dupla Tennant/Lowe.
Sam Taylor-Wood + Pet Shop Boys
“I’m In Love With A German Film Star”
Kompakt / Flur
4 / 5
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A Alemanha pop independente passa frequentemente a leste das atenções de quem acompanha semelhantes movimentações por outras rotas e destinos. A mediatização dos legados do kraut, a recorrente citação do respeitado berço dos Kraftwerk ou a presente vivência de uma Berlim feita capital europeia de acontecimentos na área da música electrónica dão talvez ideia errada de uma concentração de opções estéticas que podem fazem divergir as atenções de quem procura outros sons. A cena independente alemã (que existe) não é de facto, terreno muito conhecido... Conseguiu alguma visibilidade quando a ZTT acolheu os Propaganda em meados de 80. A mesma sorte nunca sorriu a muitos outros, entre os quais um Philip Boa & The Voodooclub (com os seus melhores discos em inícios de 90). Não deixa de ser portanto curioso o facto de agora, alguns meses depois de editado “em casa”, um disco pop “indie” alemão comece a surgir pela blogosfera já fora de portas... A banda apresenta-se como Get Well Soon, mas na verdade não é mais que o trabalho de um homem. Chama-se Konstatin Gropper, tem 26 anos, e neste seu álbum de estreia – Rest Now, Weary Head! You Will Get Well Soon – junta o trabalho de três anos em busca de uma identidade que, confessa, se deve a uma admiração por nomes como os de Leonard Cohen, Tom Waits, Nick Cave e Thom Yorke... O álbum apresenta uma colecção de canções com evidente sentido de drama e de encenação... Assenta numa noção de grandiosidade pop que, acolhendo nas franjas sugestões da folk (de várias paragens, sugerindo inesperados travos exóticos), se revela claro herdeiro de uns Arcade Fire, não sendo igualmente estranhas comparações com a etapa de finais de 90 de uns Mercury Rev. Apesar de alguns bons exemplos de composição em nome próprio, a audição do disco revela como peça central uma belíssima versão do clássico Born Slippy (dos Underworld), transformado num monumento tranquilo, eloquente e melancólico. Um disco para os amantes de uma pop com gosto pelo teatro de sons.
Get Well Soon
“Rest Now, Weary Head! You Will Get Well Soon”
City Slang
3 / 5
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Parece que descobrimos a Austrália (e arredores)... Bom, há dias chegou às livrarias um livro que propõe uma tese (não unânime) que defende que os Portugueses terão chegado à Austrália valentes anos antes de James Cook... Mas não é disso que se trata... Falamos, hoje, da Austrália pop. E depois do reconhecimento das obras dos Presets ou Cut Copy, a porta ficou aberta à curiosidade de quem, deste lado do mundo, gostou do que dali chegou... Não é regra que as “lebres” neste tipo de processos correspondam ao que de melhor há a descobrir em terreno não explorado (ou, antes, nos últimos tempos menos escutado, que daquelas latitudes nos chegaram já nomes como os Go Betweens, Triffids, Dead can Dance ou Nick Cave, para citar apenas alguns). Mas a verdade é que, depois dos dois nomes acima citados, não tem havido revelações ao mesmo nível. Veja-se o caso de Ladyhawke, uma neo-zelandesa de 27 anos entretanto mudada para a Austrália, e que, por muito que jogue com referências semelhantes, em nada se pode comparar às duas bandas que hoje são o rosto globalmente mais visível de uma nova geração pop nascida no outro lado do mundo. A herança pop electrónica de 80 mora na sua genética, assim como um gosto por heróis do punk e, diz-se, uma admiração por nomes como os de Cindy Lauper e Stevie Nicks... OK, siga. Já actuou com Peaches, partilhando intensidade e irreverência, todavia optando em disco por modelos mais amigos da melodia. Ladyhawke, o seu álbum de estreia, não é precisamente uma vénia nostálgica aos anos 80 (como tantas outras que temos visto nascer nos últimos anos). Os ecos dessas escolas estão visíveis, mas são usados na procura de um sentido actual, sugerindo uma pop electrónica que não teme a presença das guitarras e alguma sujidade. Porém, se o compararmos com a estreia de uma Santogold verificamos quão distante ficam estas boas intenções de uma real concretização de grandes ideias. O alinhamento do álbum é irregular, mostrando como não basta ter os ingredientes para os saber usar.
Ladyhawke
“Ladyhawke”
Modular
2 / 5
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Também esta semana:
Flaming Lips, The Smiths (best of), Genesis (caixa), Stereophonics, Tracy Chapman, Metro Area, Damned (reedições)

Brevemente:
17 de Novembro: David Byrne + Brian Eno, Belle & Sebastian (BBC Sessions), Parenthetical Girls, Casiotone For The Painfully Alone (EP), Marc Almond (reedições), Carlos do Carmo, Jorge Palma, Stephen Duffy (reedição)
24 de Novembro: The Killers, Abba (caixa), Doors (live), Momus, David Fonseca (DVD), Ana Moura (DVD), John Adams (edição nacional), Marc & The Mambas (reedição), Max Richter, Isobel Campbell (EP)
1 de Dezembro: Murcof, Motown 50, John Zorn, Johnny Cash (caixa), Klaus Schulze + Lisa Gerrard

Dezembro: Dakota Suite, Yelle (remix), Shirley Bassey (reedições), The Smiths (caixa), Motown 50, Kanye West, Neil Young (live)