Subitamente, Joel e Ethan Coen decidem não tanto "copiar" um género clássico, mas reaplicá-lo no presente. Resultado: Destruir Depois de Ler é uma das melhores comédias saídas, em largos anos, de Hollywood — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 de Outubro), com o título 'O real já não é o que era'.
Os irmãos Coen especializaram-se na cópia académica dos grandes géneros clássicos. A meu ver, o “oscarizado” Este País Não É para Velhos funcionou como a apoteose da sua estratégia: convocar as regras dos grandes géneros clássicos (neste caso, o western), reproduzindo-as com o óbvio deleite de quem já não acredita na sua eficácia e, por isso mesmo, se permite gozar com o seu anacronismo.
É um exercício de snobismo cultural, vistoso e contagiante, mas que, desta vez, decidiram dispensar. Destruir Depois de Ler mergulha de forma directa no modelo mais primitivo da comédia de Hollywood, não tanto para a “imitar”, mas para relançar o seu mais genuíno fulgor crítico. Trata-se de filmar as relações humanas como um labirinto de informação e desconhecimento em que cada um, ainda que de forma incauta ou naïf, aposta o equilíbrio da sua identidade. Afinal de contas, estamos perante uma história que se constrói a partir de um CD (perdido no balneário de um ginásio) com dados sobre um funcionário da CIA... Subitamente, a comédia recupera a sua ancestral forma de perturbação. Não se trata de rir com o real, mas da rir porque... ninguém sabe o que é o real!
Jerry Lewis foi um herdeiro muito directo desta tradição e os seus filmes da década de 60 (O Homem das Mulheres, Uma Poltrona para Três, etc.) são fabulosos testemunhos desse cinema obcecado pelo concreto e seduzido pela abstracção. Mas precisamos de recuar a Howard Hawks e a alguns dos seus títulos dos anos 30 (O Século XX, Duas Feras) para encontrar a raiz deste registo de comédia. Consequência fascinante: tornou-se raro ver actores representar no registo de Destruir Depois de Ler. Veja-se a genial composição de Brad Pitt: quanto mais parece uma figurinha de desenho animado, mais se adensa o enigma humano que lhe dá vida.
Os irmãos Coen especializaram-se na cópia académica dos grandes géneros clássicos. A meu ver, o “oscarizado” Este País Não É para Velhos funcionou como a apoteose da sua estratégia: convocar as regras dos grandes géneros clássicos (neste caso, o western), reproduzindo-as com o óbvio deleite de quem já não acredita na sua eficácia e, por isso mesmo, se permite gozar com o seu anacronismo.
É um exercício de snobismo cultural, vistoso e contagiante, mas que, desta vez, decidiram dispensar. Destruir Depois de Ler mergulha de forma directa no modelo mais primitivo da comédia de Hollywood, não tanto para a “imitar”, mas para relançar o seu mais genuíno fulgor crítico. Trata-se de filmar as relações humanas como um labirinto de informação e desconhecimento em que cada um, ainda que de forma incauta ou naïf, aposta o equilíbrio da sua identidade. Afinal de contas, estamos perante uma história que se constrói a partir de um CD (perdido no balneário de um ginásio) com dados sobre um funcionário da CIA... Subitamente, a comédia recupera a sua ancestral forma de perturbação. Não se trata de rir com o real, mas da rir porque... ninguém sabe o que é o real!
Jerry Lewis foi um herdeiro muito directo desta tradição e os seus filmes da década de 60 (O Homem das Mulheres, Uma Poltrona para Três, etc.) são fabulosos testemunhos desse cinema obcecado pelo concreto e seduzido pela abstracção. Mas precisamos de recuar a Howard Hawks e a alguns dos seus títulos dos anos 30 (O Século XX, Duas Feras) para encontrar a raiz deste registo de comédia. Consequência fascinante: tornou-se raro ver actores representar no registo de Destruir Depois de Ler. Veja-se a genial composição de Brad Pitt: quanto mais parece uma figurinha de desenho animado, mais se adensa o enigma humano que lhe dá vida.