Em 1967, o policial Mão Direita do Diabo, todo ele marcado pela literatura americana (Chandler & etc.) e, em particular, pela respiração do filme noir de Hollywood, abria com uma citação em francês: "Voici le temps des assassins" (Rimbaud). Disfarçado de Dennis McShade, o autor, Dinis Machado, iniciava, assim, a construção de um dos mais singulares e fascinantes universos criativos da moderna literatura portuguesa — como McShade assinou três fantásticos romances (os outros chamavam-se Requiem par D. Quixote e Mulher e Arma com Guitarra Espanhola), actualmente em processo de reedição com chancela da Assírio & Alvim.
Nascido a 21 de Março de 1930, Dinis Machado morreu hoje, na sua cidade, Lisboa. Talvez possamos dizer que a sua prosa foi sempre uma matéria citadina em que Lisboa, mesmo não nomeada, se sente, não como a grande metrópole oposta ao resto do território, mas sim na condição fatal de mapa plural e infinitamente contraditório de um país demasiado pequeno para caber em si próprio.
Nascido a 21 de Março de 1930, Dinis Machado morreu hoje, na sua cidade, Lisboa. Talvez possamos dizer que a sua prosa foi sempre uma matéria citadina em que Lisboa, mesmo não nomeada, se sente, não como a grande metrópole oposta ao resto do território, mas sim na condição fatal de mapa plural e infinitamente contraditório de um país demasiado pequeno para caber em si próprio.
A abstracta apoteose de tudo isso está, como é óbvio, na obra-prima O Que Diz Molero (Bertrand, 1977), livro sobre o qual, por altura da sua saída, se abateu o militante preconceito contra o que possa ser "demasiado" popular — hoje em dia, quase todos recalcam os acidentes desse género... mas, enfim, talvez seja altura de começarmos a aceitar as imperfeições da nossa revolução (coisa que, aliás, Dinis Machado praticava com contagiante energia discursiva e um cigarro muito lento).
Ao mesmo tempo romance negro e laborioso exercício de discussão do real, da sua possibilidade, O Que Diz Molero permanece como uma cartilha, terna e cruel, da angustiada condição de ser português — demasiado crente no sonho, demasiado hábil no pragmatismo. Lembro-me de com ele conversar sobre as fronteiras ilusórias entre cinema americano e cinema europeu, e de como isso nascia da sua contagiante disponibilidade para lidar com a liberdade que cada narrativa para si sabe conquistar: Jerry Lewis como duplo de Godard, la même chose, cher ami.