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A abstracta apoteose de tudo isso está, como é óbvio, na obra-prima O Que Diz Molero (Bertrand, 1977), livro sobre o qual, por altura da sua saída, se abateu o militante preconceito contra o que possa ser "demasiado" popular — hoje em dia, quase todos recalcam os acidentes desse género... mas, enfim, talvez seja altura de começarmos a aceitar as imperfeições da nossa revolução (coisa que, aliás, Dinis Machado praticava com contagiante energia discursiva e um cigarro muito lento).
Ao mesmo tempo romance negro e laborioso exercício de discussão do real, da sua possibilidade, O Que Diz Molero permanece como uma cartilha, terna e cruel, da angustiada condição de ser português — demasiado crente no sonho, demasiado hábil no pragmatismo. Lembro-me de com ele conversar sobre as fronteiras ilusórias entre cinema americano e cinema europeu, e de como isso nascia da sua contagiante disponibilidade para lidar com a liberdade que cada narrativa para si sabe conquistar: Jerry Lewis como duplo de Godard, la même chose, cher ami.