Felizmente, algum cinema, naquilo que tem de mais específico, tem sabido resistir a essa escola de banalidade que são as telenovelas e seus derivados. Entre os filmes que já se afirmaram nessa resistência, surge, agora, Entre os Dedos, de Tiago Guedes e Frederico Serra, drama pungente de um quotidiano que se expõe em imagens cruas e precisas como a que aqui podemos ver [Isabel Abreu].
É um drama ferido por uma urgência feita de carne, sangue e emoções: primeiro, porque se trata de olhar para as nossas vidas recusando, ponto por ponto, essas chagas contemporâneas que são a ironia que esmaga qualquer seriedade, a exaltação histérica do pitoresco e a moralização determinista das relações sociais; depois, porque um povo cuja complexidade existencial é sistematicamente ocultada pelo insidioso labor das ficções dominantes é um povo preso das formas que alguns lhe impõem.
Sim, é preciso voltar a falar das formas, apesar (ou melhor: por causa) dos lugares-comuns que tentam abafar a discussão política das nossas formas de ficção. E será também útil que percamos o medo de usar a palavra povo, mesmo não esquecendo as aplicações mais soezes que dela se fizeram. Entre os Dedos é um filme para nos ajudar nesse imenso trabalho.