Que fazem as televisões quando fabricam campeões "antecipados"? — eis uma pergunta cuja pertinência tem sido reforçada por alguns comporta-mentos mediáticos durante os Jogos Olímpicos de Pequim. Este texto foi escrito no dia do anúncio da demissão de Vicente Moura do cargo de presidente do Comité Olímpico de Portugal (terça-feira, 19) e publicado no Diário de Notícias (sexta-feira, 22), com o título 'Infantilismo olímpico'.
Analisa-se muito pouco a responsabilidade das televisões na criação de determinadas expectativas colectivas, em particular na área do desporto. Nos Jogos Olímpicos, por exemplo.
Analisa-se muito pouco a responsabilidade das televisões na criação de determinadas expectativas colectivas, em particular na área do desporto. Nos Jogos Olímpicos, por exemplo.
Não tenho problemas em acreditar que a maioria dos jornalistas das nossas televisões são pessoas sensatas e pragmáticas que sabem que, para um país de tão frágeis estruturas desportivas como Portugal, as vitórias olímpicas são sempre absolutas excepções. E, no entanto, qual tem sido o tom dominante dos noticiários? Em boa verdade, resume-se em dois tópicos. Primeiro: quantas medalhas podemos ganhar? Segundo: com a acumulação de derrotas, quantas medalhas ainda podemos ganhar?
Escrevo este texto na manhã de terça-feira, pouco depois de ter tomado conhecimento da comunicação de Vicente Moura, presidente do Comité Olímpico de Portugal, esclarecendo que não se vai recandidatar ao cargo. Porquê? Por causa da “desilusão” face aos resultados obtidos. Na verdade, vejo na candura de Vicente Moura um cruel sinal dos nossos tempos televisivos: no plano simbólico, ele é uma vítima incauta do triunfalismo irrealista com que o desporto passou a ser mediaticamente enquadrado. Nem mesmo os nossos governantes tentam contrariar tamanho infantilismo: no dia 14, Laurentino Dias (secretário de Estado do Desporto) veio mesmo dizer que esperava que a primeira semana dos Jogos fosse já “de grandes resultados”... mas ainda faltava uma semana!
Bizarro país desportivo, sem dúvida. Luís Filipe Scolari cometeu a proeza de não alterar minima-mente as estruturas da selecção portuguesa de futebol (em particular na articulação com as camadas mais jovens), acumulou sucessivos e previsíveis desaires desportivos (Euro 2004, Mundial 2006 e Euro 2008), acabando por ficar como o herói que encheu as janelas de bandeirinhas a apodrecer... Agora, até temos o impecável Francis Obikwelu a penitenciar-se: “Agradeço a todos, porque estiveram a ver-me na televisão, e peço desculpa. Eu estou a ganhar dinheiro porque o povo português está a pagar para eu estar aqui e não consegui chegar à final.” Deixe-se disso, Francis, foi bom vê-lo correr e não tem que pedir desculpa só porque os outros (também) são muito bons.