Em 1974, David Bowie tentou criar uma primeira abordagem musical ao mundo e personagens do 1984 de Orwell. Porém, desencantada com a primeira adaptação do romance ao cinema (em 1956, com realização de Michael Anderson), a viúva do escritor não autorizou a adaptação. Apesar de ter já algumas canções escritas, o musical ficou na gaveta. Mas da ideia nasceria o álbum Diamong Dogs. Em 2005, coube ao maestro e compositor Lorin Maazel o desafio de transformar o romance de Orwell num espectáculo musical. Com libreto de J. D. McClatchy e Thomas Meehan, 1984 (a ópera) estreou-se em Londres, na Royal Opera House, em Maio de 2005. Maazel, que contava já 75 anos (e 50 de carreira) quando aceitou finalmente o desafio de compor 1984.
Maazel encontrou preciosa colaboração no realizador de cinema canadiano Robert Lepage, nome já com experiência na ópera tendo assinado, entre outras, as direcções artísticas de O Castelo de Barba Azul de Bartók ou A Danação de Fausto de Berlioz. Com um elenco onde se destacam o barítono Simon Keenlyside (no papel protagonista de Winston Smith), o tenor Richard Margison (como o vilão O'Brien), o soprano Nancy Gustafson (como Julia) e a voz de Jeremy Irons na leitura, em off, dos comunicados de propaganda, a ópera é um monumento de música e imagens. A encenação explora a omnipresença do olhar do Big Brother sobre um espaço opressivo pós-industrial, sombrio e intimidante. A espantosa música de Maazel, por sua vez, sublinha o fosso que separa o discurso oficial do poder, forte e implacável, que esmaga as vozes e sonhos do indivíduo. A Royal Opera House esgotou a lotação enquanto a produção esteve em cena. E o mesmo aconteceu, pouco depois, quando passou pelo palco do La Scala, em Milão. Agora, 1984 chega a DVD em imagens captadas em Covent Garden em 2005, num filme realizado por Brian Large. Como extra, uma contextualização da história.
No texto que acompanha o DVD, Lorin Maazel relata como a sua ópera nasceu de uma profunda admiração pelo texto de Orwell. O compositor confessa-se admirado pelo "génio" do escritor, mas também pelo carácter contemporâneo das temáticas sociais que o romance levanta. O tom de denúncia que o livro veicula, nomeadamente quando foca o subjugar do indivíduo perante uma ideologia e um poder absoluto, é claramente central na ópera que nasce da sua fiel adaptação. Das palavras, Maazel captou atmosferas que transformou em música, que, 59 anos depois, mantém vivo o "horror" de 1984. Originalmente publicado em 1949, o livro teve também já vida no pequeno e grande ecrãs. Uma primeira adaptação ao cinema em 1956 por Michael Anderson e uma segunda versão, para TV, em 1965, por Christopher Morahan, horrorizaram a viúva de Orwell. Já depois da sua morte, Michael Radford apresentou (em 1984) uma terceira e magnífica adaptação, com os principais papéis entregues a John Hurt e Richard Burton, com banda sonora assinada pelos Eurythmics.
PS. Versão editada de dois textos publicados no DN