domingo, julho 20, 2008

Uma banda e uma cidade

Sob realização de Grant Gee, Joy Division é um olhar atento, completo e claro sobre um dos maiores mitos da história da cultura rock'n'roll. Junta, em entrevistas expressamente realizadas para o efeito, os ex-elementos da banda (Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris) e antigos colaboradores como Peter Saville (designer) ou Tony Wilsom (o patrão da editora que lançou o grupo, filmado pouco antes da sua inesperada morte). Reúne músicos seus contemporâneos como Pete Shelley (dos Buzzcocks), Richard Kirk (Cabaret Voltaire) ou Genesis P. Orridge (Throbbing Grislte). Escuta o jornalista Paul Morley. Ouve, em sons de arquivo, figuras como o radialista John Peel ou o produtor Martin Hanett. E, trunfo maior do filme, apresenta depoimentos francos e directos de Annik Honoré, a belga por quem Ian Curtis caiu de amores e que abriu frestas incuráveis no casamento do músico.
O filme está, contudo, longe de ser um desfile bem montado de entrevistas. Escutando atentamente os depoimentos recolhidos, Grant Gee compreendeu que a música (e breve carreira) dos Joy Division é em grande parte uma consequência do espaço e tempo onde tudo aconteceu. Manchester, cidade "cinzenta" no centro de Inglaterra, com história operária que remonta aos dias da Revolução Industrial, aí definindo uma personalidade sociológica e cultural muito particular é, mais que mero palco que assiste à acção, a "mãe" do que ali aconteceu em finais de 70.
A memória de um mítico concerto dos Sex Pistols, em 1976, no Free Trade Hall de Manchester, é inevitável ponto de partida para a história que se conta. Mas tudo o que depois acontece, do formar da banda à aventura da gravação e edição, em tudo reflecte as marcas da cidade. Que não só se traduzem nos comportamentos dos músicos. Como são visíveis na música, verdadeira banda sonora para um espaço urbano fechado, sem horizontes, algo opressivo... Bernard Sumner lembra que Ian Curtis era um homem especial, com personalidade em grande parte definida pelas rotinas do quotidiano mas também pelos livros que leu e assimilou. Desmitificando um qualquer "grande plano", o baixista Peter Hook lembra, todavia, que "ser profundos" não era destino na agenda do grupo. Queriam, apenas, tocar e entusiasmar quem os ouvia. O filme sabe, por isso, mostrar como do acaso nascem alguns mitos.
PS. Versão editada de texto publicado a 15 de Julho no DN