Como foi sendo noticiado, Carlos Queiroz as-sumiu o cargo de seleccionador de futebol, vindo ganhar um ordenado de 3 milhões de euros por ano. Que é como quem diz: 8333 euros por dia (li este valor no Diário de Notícias de ontem).
É um valor que vale a pena fixar. E note-se: por nenhuma razão moralista, muito menos contra a pessoa do seleccionador. Importa mesmo dizer que só por inapelável ingenuidade se poderá ignorar que o futebol é, hoje em dia, uma indústria planetária que movimenta verbas astronómicas. Importa fixar tal valor porque ele devolve uma curiosíssima questão a todos os que, dos mais diversos quadrantes, gostam de lançar insinuações sobre o "escândalo" dos dinheiros que se gastam com as actividades artísticas em Portugal — e com o cinema, em particular. A esse propósito, vale a pena referir que o ordenado anual de Queiroz permitiria produzir, no mínimo, cinco longas-metragens portuguesas.
Entenda-se: os valores absolutos são secundaríssimos. E não se trata de promover a estupidez demagógica que defenderia a "redistribuição" do dinheiro que Queiroz vai ganhar (até porque as suas qualidades permitem supor que o fará com respeitável rigor e inabalável dedicação profissional). Trata-se, isso sim, de discutir o significado político das diferenças que se podem medir a partir do dinheiro.
Mais concretamente, vale a pena também perguntarmo-nos: que significa o facto de, no Portugal de 2008, um salário mínimo, 426 euros, render (num mês) cerca de 5 por cento daquilo que o seleccionador nacional ganha (num dia)?