quarta-feira, julho 02, 2008

O país das telenovelas

>>> Até que ponto uma mulher traída pode confiar novamente no amor? Alice confiou em Afonso e ele traiu-a com outra. Agora a oportunidade de amar surge-lhe com Henrique, mas ele representa tudo o que ela mais odeia num homem. Ele vai fazer tudo para se aproximar. Ela vai fazer tudo para o manter à distância. O destino encarrega-se de lhes pregar as mais diversas partidas para os unir.<<<

Palavras como estas andam por aí. Colam-se a imagens como esta que andaram por aí, nas ruas e nas estações do Metro, marcando o quotidiano com a sua estranha falta de carne e emoção, numa palavra, de vida. De facto, perguntamo-nos pouco como somos — e como nos obrigam a ser — através das imagens que têm mais poder nos espaços em que vivemos.
Não sei, ninguém sabe, se o mundo seria mais feliz se as nossas ruas aparecessem dominadas por gigantescas reproduções de Da Vinci, Bonnard ou Cézanne... Mas seria bem diferente, disso tenho a certeza. Todos temos, aliás.
A iconografia, o estilo e os valores desta telenovela não diferem, por certo, de qualquer outra. E é isso que é inquietante: que tenhamos chegado a esta normalização pública da ficção, reduzindo drasticamente as matrizes das histórias que partilhamos e, por fim, banalizando esses seres de singular dádiva e respeitável nobreza que são os actores.
Ainda em relação aos actores, compreender-se-á, por tudo isso, que não se trata de "julgá-los" (ainda menos "condená-los") por serem parte activa deste fenómeno ficcional que tomou o poder no espaço da ficção — e é de um poder ditatorial que se trata. O que se pergunta é: como é possível menosprezar os actores a ponto de não criar condições para fazer florescer a sua diversidade e a própria diversidade das ficções? Desgraçamente, esta pergunta (quase sem respostas) faz parte da história cultural do país há mais de 30 anos.

Paul Cézanne, Natureza Morta com Terrina de Sopa, c. 1877