Combinação exemplar de comédia, drama e tragédia latente, tudo com uma sábia observação das transformações de usos e costumes, A Ultrapassagem / Il Sorpasso (1962) terá ficado como um símbolo exemplar do cinema de Dino Risi, realizador italiano falecido em Roma, aos 91 anos de idade; a versão original de Perfume de Mulher (1974) é outro dos seus títulos mais populares — ambos se encontram disponíveis no mercado português do DVD. Com a morte de Risi, desaparece um dos grandes mestres do mais genuíno cinema popular italiano, uma categoria nobre a que também pertencem Luigi Comencini ou Mario Monicelli.
Curiosamente, Dino Risi tinha outros objectivos na vida, tendo estudado medicina psiquiátrica. Seria um convite fortuito para trabalhar como assistente de realização de Mario Soldati, em 1941, a envolvê-lo com o mundo do cinema. Que alguns dos seus primeiros filmes sejam documentários sobre a Itália do pós-guerra, eis o que não pode deixar de ser visto como um capítulo essencial da sua trajectória. De facto, podemos dizer que, ao longo da meia centena de filmes que dirigiu, incluindo alguns clássicos da comédia italiana, Risi foi sempre um arqueólogo das grandes convulsões sociais e, em particular, da sua expressão no plano das mais íntimas relações humanas.
Entre os títulos mais importantes da sua primeira fase incluem-se L'Amore in Città (1953), filme de episódios (com Michelangelo Antonioni, Federico Fellini e Cesare Zavattini, entre outros), Pão, Amor e... (1955), Pobres Milionários (1959) e essa obra-prima do melodrama que é Uma Vida Difícil (1961), com Alberto Sordi. Além de Sordi, actores como Vittorio Gassman e Sophia Loren tiveram, graças a Risi, alguns dos momentos mais brilhantes das respectivas carreiras, já que ele foi também um excelente director de actores. Entre os seus filmes mais populares incluem-se mais duas comédias por episódios, ambas totalmente realizadas pelo próprio Risi: Os Monstros (1963), com Ugo Tognazzi e Vitorio Gassman, e Sexo Louco (1973), com Laura Antonelli e Giancarlo Giannini. Na altura da moda do chamado "cinema político", tentou também o género com o excelente Em Nome do Povo Italiano (1971). Em 2004, publicou uma autobiografia a que chamou "Os Meus Monstros".
> NOTA 1: Vale a pena referir que, oito horas depois da notícia da morte de Dino Risi ter sido divulgada pela BBC, o IMDb (site cuja utilidade informativa não está em causa) continuava a ignorar o assunto. Infelizmente, é um pormenor que reflecte uma clara dicotomia de prioridades face ao cinema que fala ou não fala inglês e que, em última instância, penaliza os seus 57 milhões de visitantes mensais.
> NOTA 2: Outro dado curioso do know how da Internet: o site Senses of Cinema (aliás, cheio de coisas interessantíssimas) propõe uma lista de "great directors" que inclui, por exemplo, Lucio Fulci, Peter Jackson e Gaspar Noé — Dino Risi está ausente.