quinta-feira, maio 15, 2008

Discos da semana, 12 de Maio

Numa altura em que ganham visibilidades divas de plástico entregues ao teatro da reinvenção barata da soul (leiam-se as Duffys e Joss Stones que por aí somam e seguem), nada como um reencontro com as verdades profundas de uma das mais importantes “escolas” da canção do século XX. E se há disco que, até ao momento, neste 2008, o saiba fazer, ele é Jim, o novo de Jamie Lidell. Descobrimo-lo há algum tempo, já firme numa identidade que não escondia curiosidades e encantos pelas heranças do rhythm’n’blues. Jim é, todavia, o álbum que o mais aproxima dos modelos que admira, afastando-o, por seu lado, de mecânicas digitais, do beat-box humano, que outrora serviram interessante definição de personalidade. Jim é um disco de evidente apelo pelos modelos clássicos da canção soul, ora espelhando influências dos “gigantes” de 60 como Otis Redding ou Sam Cooke (escute-se Out Of My Systrem), ora revelando uma evidente admiração por essa outra figura incontornável da história de 70 que é Stevie Wonder, pontualmente piscando o olho a Marvin Gaye (All I Want Is You), a Al Green (Green Light), ocasionalmente ao motor rítmico lançado há mais de 30 anos por Sly Stone. Este é um Jamie Lidell que, apesar de formalmente distante de alguns trilhos que percorreu na etapa Super Collider, em nada mostra sinais de real mudança de personalidade. Antes, uma opção pelo enfrentar, de peito, os modelos que sempre o inspiraram, com mais real atitude que o que Jay Kay nos mostrou com os Jamiroquai (excepção para o seu ilustre e magnífico álbum de estreia). De certa maneira, e como o deixa bem claro na sua dedicatória impressa no booklet, este é um disco que, como Bowie o fez com o seu Young Americans de 1975, se afirma como o agradecimento de um músico a quem o inspirou. Um exercício de teatro, vestindo o actor Lidell ecos das personagens que escutou (e assimilou) nos que mais admira. Um teatro verdadeiro, necessariamente feito de referências claras, de heranças evidentes, de citações óbvias. Todavia interpretadas, não meramente recriadas. Nunca pastiche. Sério. Muito sério. E absolutamente saboroso.
Jamie Lidell
“Jim”
Warp
4 / 5
Para ouvir: MySpace

Ao quinto álbum os M83 são um nome solidamente instalado entre os grupos com maior visibilidade global da França contemporânea, destacando-se entre os demais por uma demarcação formal que privilegia não apenas a evocação de memórias em novo contexto, como, sobretudo, aposta numa reinvenção dos códigos do shoegazing. De resto, bem antes dos Midnight Movies, dos Raveonettes ou, mais recentemente, os Magnetic Fields, já os M83 mostravam exemplos de aplicação das heranças dos My Bloody Valentine (e outros ensaístas do género) num espaço que convocava um sentido de nostalgia muito peculiar e um gosto pelo confronto entre a distorção “ambiental” e a presença das electrónicas. Sarurday = Youth mostra, face ao passado, algumas marcas de continuidade em tempo de desejo de mudança. Não abandona o clima de nostalgia apontada à cultura juvenil dos anos 80, mas mais que nunca aponta o caminho na exploração da canção, afastando as mais longas dissertações ambientais do centro da acção. O disco traduz uma curiosa aproximação aos códigos da pop, sem contudo abandonar o cariz estilizado da construção cénica habitual, sem abafar um sentido de grandiosidade, nem mesmo as histórias que ecoam dias luminosos, fantasias de Verão, nostalgias com tempero doce. Aqui moram heranças de uns Cocteau Twins (evidentes em Skin Of The Night), New Order (que se adivinham em Graveyard Girl) ou, claro, os My Bloody Valentine (Up!). O interesse (antigo) dos M83 pelas novas electrónicas surge menos evidente ao longo do disco, mas domina a longa dissertação de Coleurs. Uma longa construção ambient aos modos do Brian Eno de finais de 70, encerra o disco. Como sempre, a identidade de M83 é a soma ordenada destas memórias com as intenções narrativas (algo cinematográficas) de Anthony Gonzalez que, aqui, consegue o seu melhor disco de sempre.
M83
“Saturday = Youth”

Virgin / EMI
4 / 5
Para ouvir: MySpace

Os Mesa foram um dos primeiros projectos da geração da presente década a mostrar firme intenção no reencontro da canção pop com a língua portuguesa. Mesa, o seu álbum de estreia, conta-se entre os melhores momentos pop que os últimos anos nos deram a escutar, sem receio de construir canções com palavras que por vezes fogem dos cenários habituais, sem medo de procurar uma identidade de som numa opção pela variedade em vez do mais frequente funil rumo a um só caminho. Ao segundo álbum (com uma das capas menos inspiradas da história do design ao serviço da música portuguesa), a ideia caminhou para destinos mais definidos, perdendo-se algum do apelo da surpreendente variedade da estreia. E é precisamente no resolver dessa opção que o novo Para Todo o Mal ganha primeiros pontos (e acrescente-se que a melhor capa da discografia do grupo também convida, agora, ao reencontro). O sentido de surpresa que se descobriu em Mesa é uma das características estruturais num álbum que mostra um grupo que sabe que a pop é um mundo vasto no qual moram tanto os códigos da familiaridade imediata como os do desafio, do inesperado. Os Mesa podiam ter-se transformado já em fáceis hit makers. Podiam ter uma linha de montagem de "Divagadoras" e "Luzes Vagas". Mas não. Ou não fosse João Pedro Coimbra, melómano, antes mesmo de se descobrir músico. E esse gosto de quem na música quer sentir um prazer de sabores, uns mais imediatos, outros que pedem mais tempo, mora uma das mais fulcrais verdades estruturais do que é esta Mesa pop. Para Todo o Mal mostra quão firme é o entendimento desta música e destas palavras com uma voz que lhes dá visibilidade. Aqui mora uma pop actual, que sabe escutar ideias num espectro largo de fontes, das electrónicas aos domínios da invenção indie pop. Do conhecido ao nem por isso. Cada canção tacteia um caminho, ganhando nós familiaridade com a surpresa ao fim de várias audições. As palavras podem não dizer o que somos, como se sugere a dada altura. Mas estas músicas não escondem quem as faz.
Mesa
“Para Todo o Mal”
Sony BMG
4 / 5
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O primeiro álbum dos Long Blondes revelou, na Sheffield dos nossos dias, uma banda capaz de evocar um dos períodos mais intensos da vida musical da cidade: o pós-punk. Numa curiosa ponte entre a urgência pop das bandas da época e o charme decadente das histórias de uns Pulp (outra das grandes referências locais), mostraram momentos de puro prazer pop dançável, entre os quais esse hino de apelo aos músculos das pernas que foi Giddy Stratospheres. Ao segundo álbum (que levantou uma talvez excessiva onda de aplauso generalizado junto da crítica britânica), o grupo mostra o que parece ser uma vontade em travar a festa e o divertimento, em favor de uma mais cuidada concepção da cenografia que acolhe as canções e a uma demanda de outra... “seriedade”... Nada contra, acrescente-se, que não é aí que a coisa falha. Reduzem a presença de uma certa rugosidade punk em favor de um clima mais próximo dos códigos da pop. Abordam os arranjos com cuidados mais evidentes. Tudo isto sem perder de vista a vontade em não abandonar pontuais incursões pela pista de dança. Contudo, é apenas nesses temas de maior fulgor rítmico (como Century, I’m Going To Hell ou Here Comes The Serious Bit), ou seja, naqueles em que o grupo deixa a janela mais aberta à memória do que nos deu no álbum de estreia, que o álbum respira um fôlego que parece escapar ao disco. Curiosamente, no implosivo (mas intenso) Round The Harpin, um teatro de sombras revela outro momento de surpresa. O grosso do alinhamento, onde se espelha o já citado cuidado cénico, sugere contudo um menos bem aplicado uso das vitaminas pop que haviam iluminado o disco de estreia. Um caso de anemia, portanto...
The Long Blondes
“Couples”
Rough Rrade / Edel
2 / 5
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Os últimos anos assistiram a uma importante descoberta do baú das memórias (durante muito tempo esquecidas) da pop nascida da explosão punk em finais de 70 e inícios de 90. Nomes como os New Order, Human League, Wire, Adam & The Ants, Psychedelic Furs, The Cure ou Duran Duran regressaram à ordem do dia e marcaram a descoberta de novas realidades numa geração que, pelo mundo fora, procurou nesses modelos motivos de entusiasmo para criar uma pop, de alma rock, mas sempre de forte apelo dançável. Criaram-se verdadeiras pérolas. Dos Franz Ferdinand ao álbum de estreia dos The Killers, dos The Faint aos White Rose Movement, a oferta foi intensa e interessante. Depois entrou em cena a engenharia genética. E a clonagem destes novos heróis, juntamente com mais citações dos modelos históricos que os motivaram, criaram casos de pontual interesse mais, na maior parte das situações, estafada exaustão de um filão que, outrora entusiasmante, hoje quase já cansa de tão repetida e desinteressantemente abordado. Veja-se o caso dos The Whip. Surgem com Frustration, um discreto pastiche de New Order (nada contra, não foram os primeiros). Mostram fulgor de pista de dança em clima pop em Sister Siam. E viço disco punk em Trash... Naturalmente esperava-se por álbum excepção. Nada disso! O restante alinhamento de X Marks Destination é mera arrumação de ideias menores, citações idênticas às mais recorrentes, canções sem o “eureka” pop das acima citadas, apostando antes em soluções menos imaginativas de alguma dance music mais banal. Já se ouviu pior. Mas está longe, muito longe, do que o apetite estimulado pelos singles aqui sonhava encontrar.
The Whip
“X Marks Destination”

PIAS / Edel
2 / 5
Para ouvir: MySpace

Também esta semana:
Martha Wainwright, Martina Topley Bird, White Williams, Liquid Liquid (reedição), Otis Redding (reedição), Cut Copy, The Presets, NIN

Brevemente:
19 de Maio: Rocky Marsiano, The Ting Tings, Paul Weller, Pogues, Scarlett Johansson, Sparks, Mudhoney, Dr Hook (reedições), Death Cab For Cutie, Moonspell, Philip Glass (archives – vol 3)
26 de Maio: Spiritualized, Weddinng Present, Futureheads, Byrds (reedições), Replacements (reedições), Tangerine Dream (antologia), Zutons, Philip Glass (opera), Los Campesinos (ed nacional), El Perro del Mar (ed nacional), The Notwist, Wild Beasts
2 de Junho: Ladytron, Aldina Duarte, Paul Weller, Aimee Mann, Radiohead (best of), Dead Can Dance (reedições), Broadcast

Junho: Coldplay, Joan As Policewoman, Fratellis, Infadels, David Bowie (reedição), U2 (reedições), Black Kids, Yazoo (caixa + reedições), Silver Jews, Young Gods, Joseph Arthur, Weezer, The Music, No-Man