Dois rapazes a brincar aos dramas dos homens crescidos... Mas não há nenhuma redenção poética à espera deles (nem do espectador) — Gomorra, de Matteo Garrone, baseado no livro de Roberto Saviano, é um impressionante retrato da cultura do crime organizado na região de Nápoles.
Podemos deduzir, sem qualquer equívoco, que o grande cinema político italiano está de volta. Aliás, em boa verdade, nunca desapareceu, mesmo se a normalização televisiva tudo tem feito para reduzir as ficções a estereótipos infinitamente repetidos. Acontece que Garrone, com uma energia rara e contundente, agarra de frente um tema dificílimo, oferecendo-nos uma visão de perturbantes contornos. Em última instância, trata-se de perceber como um sistema enraizado na divinização do dinheiro corresponde, afinal, a um conceito ditatorial da vida social e familiar. Na sua contundência temática e formal, Gomorra dificilmente sairá de Cannes sem um prémio.