Muitos discos nasceram de filmes, ora contendo as canções da sua banda sonora, ora revelando canções que os ambientes ou a narrativa filmada sugeriram. Menos frequente é vermos um disco como ponto de partida para a construção de um filme. Mas foi o que aconteceu com Garçon d'Honeur, álbum de estreia do cantautor francês Alex Beaupain (editado em 2005 pela independente parisiense Naïve), cujas canções inspiraram (e determinaram em parte a história) de As Canções de Amor, o mais recente filme de Christophe Honoré, que agora conhece edição em DVD entre nós. DVD que traz, como bónus, o CD com a premiada banda sonora do filme.
Apesar do álbum editado em 2005, Alex Beaupain era praticamente um ilustre desconhecido fora de França data da estreia de As Canções de Amor. Já tinha trabalhado em cinema. Aliás, colabora com Christophe Honoré desde que este se estreou nas longas-metragens, em 2002, com 17 Fois Cécile Cassard. Foi, de resto, com Honoré que, através uma canção original cedida a uma cena-chave de Em Paris (2006), ganhou primeiras referências na imprensa internacional. Nascido em 1974, Alex Beaupain chegou a ter um caminho apontado às ciências. A música, contudo, chamou-o. E foi o desafio de Christophe Honoré, amigo de longa data, que transformou um velho sonho num novo destino profissional. Na altura sentiu-se seguro pelo facto de ter os filmes entre si e o público. Sair do armário, do estúdio para o palco, foi história que veio mais tarde, apenas em tempo de apresentação das canções de Garçon d'Honeur, álbum de estreia a solo que gravou apenas três anos depois de encetada uma carreira na música para cinema.
Já o compararam a Calogero (pelo melodismo) ou a Dominique A (pelo carácter fortemente pessoal da escrita). Já foram referidas, também, afinidades com Serge Gainsbourg e Etienne Daho. Desde que o não associem a Nicoletta, Alex Beaupain não se importa com as comparações que eventualmente apareçam. Independentemente dos faróis de referência, Beaupain mostrou já, em apenas um álbum de originais e uma mão-cheia de trabalhos para o cinema, que pode ser mais um nome a ter em conta numa nova geração de cantores apostados em renovar a chanson française. Ou seja, um parceiro figuras como um Arthur H, um Vincent Delerm ou um Benjamin Biolay.
Um facto pessoal desencadeou em Alex Beaupain a vontade de sair do tal armário (leia-se, experimentar a gravar em nome próprio). A morte da sua companheira levou-o a exorcizar pela escrita de canções o sentimento de perda e vazio que então viveu. A história desta perda, de um amor interrompido pela morte da mulher amada, domina os ambientes e pequenas histórias que se escutam em Garçon d'Honeur. Esta mesma história pessoal, e canções como Lave, Parc de La Pépinière, Se Taire, Au Ciel, La Beauté du Geste, gravadas neste disco, foram depois tomadas por Christophe Honoré como ponto de partida para a concepção de As Canções de Amor. Um filme que começa por nos mostrar figuras envolvidas numa relação amorosa que a morte interrompe. À perda seguindo-se novo capítulo. Uma descoberta. Um novo amor. Alex Beaupain cedeu as suas canções a Honoré. Escreveu algumas mais. E aos actores coube a sua interpretação num filme que representou, em 2007, um dos mais interessantes exemplos recentes de cinema musical. Beaupain não interferiu depois na rodagem, salvo na cena em que canta, ao vivo, Brooklyn Bridge. O filme era de Honoré, mesmo sendo suas as canções. Certo é que, com As Canções de Amor, deixou de ser um anónimo. A vitória nos Césares (Melhor Banda Sonora) vincou o estatuto que o filme lhe deu. Agora espera-se por novo disco.
PS. Texto publicado no suplemento DN Gente, do DN, a 12 de Abril
Estas imagens documentam uma noite dedicada à banda sonora de As Canções de Amor, que teve lugar no Le Divan Du Monde, em Paris, em finais de Novembro do ano passado. Alex Beaupain surge em palco acompanhado pelos actores do filme para apresentar, ao vivo, as canções usadas por Christophe Honoré.