Alguns factos podem explicar porque têm os canadianos No Kids passado a Leste de algumas atenções junto dos oráculos do momento. Não mostram sinais de interesse pela folk... Dispensam o recurso a temperos psicadélicos. Não exibem ascendência punk... E aparecem de barba feita... Diferentes entre os diferentes, mostram contudo no seu álbum de estreia, Come Into My House, um interessante conjunto de propostas próprias de quem quer reflectir sobre os caminhos da pop, cientes da infinita variedade de caminhos que as referências podem sugerir e o trabalho que as ideias, depois, podem seguir. Não são propriamente estreantes, mas sim o que resta do colectivo P:ano depois de uma recente cisão. Come Into My House não é uma obra-prima, e sabe que está longe de o ser. Mas é o retrato actual de uma vontade em criar canções que somem uma suculenta reunião de gostos e interesses e que, como no hoje referencial Illinois, de Sufjan Stevens, se manifestam sem fechar portas nem janelas, mantendo visíveis os estímulos que aqui se encontram para dialogar. De ecos distantes da Broadway e dos musicais dos anos 50 à elegância do disco reinventado por Arthur Russel, de um certo sinfonismo pop a um claro (e dominante) interesse pelas escolas R&B, o trio canadiano parte, apenas com uma (pré)conceito determinado: o de encaminhar todo este mar de sugestões rumo à canção pop. Usando técnicas de produção que lembram o trabalho preciso e “limpo” da dupla Jimmy Jam e Terry Lewis, apresentam um pequeno manifesto pela reinvenção destes muitos legados, na sua mais franca relação com o prazer da canção pop. O álbum mostra talvez ainda alvos demasiado largos, sugerindo que por aqui ainda se tacteiam caminhos, ensaiam soluções. Parece que a sorte lhes permitiu chegar a bom porto logo na primeira viagem. Come Into My House, longe ainda do amadurecimento de ideias que poderá trazer melhores surpresas no futuro é já uma belíssima carta de intenções. Pop elegante, para quem gosta de dedicar atenção ao que escuta antes de berrar que gosta. Ou nem por isso.
No Kids
“Come Into My House”
Tomlab / Flur
4 / 5
Para ouvir: MySpace
Os Dead Combo conquistaram já um espaço seu no panorama actual da música portuguesa. Conseguiram-no expressando a força de uma ideia, evidenciando-se assim num cenário que, nos últimos anos, tem dado mais sinais de desnorte que de real capacidade em propor algo pessoal e consequente. Os Dead Combo são, de resto, uma das raras boas ideias, já solidificadas, da música portuguesa na presente década. Dois anos depois de Quando a Alma não É Pequena eis que assinalam novo passo em frente com um álbum que representa a sua estreia na distribuição por uma multinacional, opção que, podendo não trazer grande valor acrescentado à sua actividade entre nós (além do eventual assegurar dos discos nos escaparates certos), deve no entanto representar uma sugestão de eventual presença num quatro de oportunidades de exposição... lá fora (se bem que, na verdade, o acordo é de distribuição e, e neste comprimento de onda, uma independente bem relacionada além fronteiras pudesse ser igualmente eficiente, senão mesmo mais eficaz)... Lusitânia Playboys não muda muito nos códigos que definem uma música que vive de encontros, de ecos de gostos e referências, que leva o fado à pradaria, que traz o western spaghetti a um palco escuro, sem geografia, onde moram violinos assombrados, que lembra pistas esquecidas dos longos corredores rock’n’roll, que descobre que Lisboa guarda um mundo de exotismos a (re)descobrir. O álbum reencontra o legado das recolhas de Giacometti, mas usa-as de forma diferente do habitual. Coloca uma voz lírica, em vocalizos, sobre um tema dos Queens Of The Stone Age. Não faltam ideias, assim como abundante é o humor, que se molda a uma música que nasce como se de uma entidade com corpo e espírito se tratasse. Parece teatro. Lusitânia Playboys é mais uma prova de uma capacidade em sugerir ambientes, eventualmente pequenas narrativas fraccionadas. Encanta. Intriga. Peca apenas pelo demasiado longo alinhamento...
Dead Combo
"Lusitania Playboys"
Dead & Company / Universal
4 / 5
Para ouvir: MySpace
O álbum de estreia dos Raconteurs, Broken Boy Soldier, apesar de frequentemente sobrevalorizado, deixou claro que a criação de uma banda em paralelo aos White Stripes não era mero espaço de férias à maneira das estrelas de rock’n’roll para Jack White. O álbum de estreia do colectivo que criou com Brendan Benson, Patrick Keeler e Jack Lawrence mostrava mais boas ideias que grandes canções. E todos ficámos à espera que a ideia acabasse afinada em segundas núpcias. Em Consolers Of The Lonely não faltam as boas canções. No entanto, o que parecia um quadro estimulante de opções estéticas a pedir agora uma maior concentração de caminhos, acaba aqui transformado numa mera aplicação de (quase) mais do mesmo, e com sinais de aparente falta de vontade em traçar um rumo, lançando uma mão cheia de canções para uma jornada em aparente deriva. E que transforma o que poderia ser um grande álbum iluminado pelas fundações do rock’n’roll num conjunto de canções que assim se arrumaram, como se do resultado de um ensaio entre amigos se tratasse. O elo mais fraco de Consolers Of The Lonely mora precisamente na incapacidade (ou não vontade) em criar uma alma mais coesa em volta do conceito de álbum. Sortido de gostos, ora escutamos projecções das matrizes de uns Led Zeppelin ou The Who com curiosidades, sem ordem aparente, pelo western spaghetti, a canção pop elegante (à Elton John, anos 70), os blues ou a country... Para quem a variedade (desordenada) da oferta é ementa desejada, então Consolers Of The Lonely pode ser um consolo. A dupla White/Benson domina as referências que convoca, tem o sentido da canção nas mãos. E sabe dosear protagonismo sem dar socos aos respectivos do parceiro. Não faltam boas canções. Falta apenas uma ordem que as arrume... E isso é o que se chama álbum... Ou estamos já perante oferta pensada para a era da canção avulso?
The Raconteurs
“Consolers Of The Lonely”
XL Recordings / Popstock
3 / 5
Para ouvir: MySpace
Dois anos depois de uma estreia assombrada por uma canção que, sabíamos à partida, seria sempre “maior” que o álbum, a dupla Gnarls Barkley regressa com um segundo disco no qual, apesar do evidente protagonismo do single de avanço – Run (I’m A Natural Disaster) -, semelhante cenário não se repete. Danger Mouse volta a colocar na linha de partida um reconhecido ecletismo que há muito se manifesta por um interesse versátil por diversas sensibilidades pop e um consequente conhecimento de vários estilos. Por seu lado, o parceiro Cee-Lo demonstra nova vontade em cantar as grandes questões que assombram a alma humana, fazendo-a com uma vitalidade que quase parece de quem canta trivialidades festivas. Não o sendo, naturalmente. Na verdade, o que muda de facto de St Elsewhere para The Odd Couple não é mais que a ausência de um rebuçado tão irresistível (e capaz de distrair) como o era Crazy. A agenda de trabalho da dupla mostra desejo em manter firme a sua vontade em devolver à era do corte e colagem digital uma série de heranças determinantes da história da canção soul. É na reflectida colisão entre as genéticas old school e as mecânicas da idade dos computadores que, sob a paleta versátil de referências acima citada, se manifesta o que distingue os Gnarls Barkley dos demais parceiros de semelhante demanda nos dias que correm. A mestria técnica assegura o feliz casamento das ideias. A familiaridade com os idiomas pop garante verdade ao produto final. Pena apenas a irregularidade de uma escrita que, na hora de criar melodias, nem sempre parece iluminada com a mesma pontaria. Interessante. Ma non troppo...
Gnarls Barkley
“The Odd Couple”
Warner
3 / 5
Para ouvir: MySpace
Foi há 15 anos. Reduzidos a três elementos (Cindy pedira férias para criar uma família), uns The B-52’s pouco entusiasmados regressavam a estúdio para criar Good Stuff. Mas nem o título os conseguiu enganar. Era um disco medíocre, muito distante da festa pop, versátil e inebriante, com a qual haviam marcado o panorama da new wave em finais de 70. Personalidade que conseguiram manter viva ao longo da década de 80, uma vezes com melhores resultados, outras nem por isso. Alcançaram o sucesso, mas mantinham firme uma identidade artisticamente próxima de hábitos mais frequentes em clima underground. A identidade, vincada, distinguia-os dos demais. O cruzar de ecos da memória pop, festiva, de 60, referências sci-fi e um programa de trabalho que privilegiava a composição colectiva lançou pistas que o grupo não mais abandonou. Nem mesmo quando, em finais de 80, Cosmic Thing virava sucesso maisntream. Apesar do tropeção de 1993, os B-52’s eram uma das melhores memórias pop nascidas nos dias do pós-punk. Mas na era em que todos regressam, porque não os B-52’s? Sim, porque não? Atento ao que acontece, o (agora) guitarrista Keith Strickland gostou do que ouviu em Get Ready, dos New Order e, perante a vontade do grupo em não fechar em cartaz best of o alinhamento dos concertos de regresso, desafiou Steve Osburne a produzir. Funplex procura captar o sentido de folia clássico nos B-52’s. Pontualmente valoriza mais que nunca o poder das electrónicas, em entendimento com uma secção rítmica potente. Mas, na essência, não mais faz que tentar reencontrar, no século XXI, o futuro imaginado em festas pop de finais de 70. Pontualmente uma ou outra canção brilha. Mas o decalque de memórias, que coordena a operação dita o resultado final como apenas... simpático.
The B-52’s
“Funplex”
Astralwerks / EMI
2 / 5
Para ouvir: MySpace
Também esta semana:
Triffids (reedições), Roni Size, Balla, Kooks, The La’s (reedição), Blood Red Shoes, Cinematic Orchestra (live), Forward Russia!, Paul Haig, Long Blondes, Visage (reedição)
Brevemente:
21 de Abril: Camané, Last Shadow Puppets, Cut Copy, Robert Forster, Yundi Li/Ozawa (Prokofiev), Jonathan Richman, Yundi Li (Prokofiev), Alabama 3, Four Tet, Nils Petter Molvaer, Infadels
28 de Abril: Portishead, Madonna, The Presets, Crystal Castles, ABC, Tindersticks, M83, Air (reedição), Jamie Lidell, Cajun Dance Party,
5 de Maio: Animal Collective (EP), The Hacker, Isobel Campbell / Mark Lanegan, Marc Almond (EP), Soft Cell (reedição), Tokio Police Club, Future Sound of London (EP collection),
Maio: Rocky Marsiano, Spiritualized, Mesa, Scarlett Johansson, , Charlatans, Neil Diamond, Love (reedições), Yazoo (caixa), UHF (reedição), Petrus Castrus (reedição), Quinteto Académico + 2 (reedição), Telectu (reedição), Quarteto 1111 (reedição), Duran Duran (reedições – três primeiros álbuns numa caixa), OMD (live), NIN, Mountain Goats, dEUS, Supremes (raridades), Otis Redding (reedições), Radiohead (best of)
Junho: Dead Can Dance (reedições), Ladytron, Coldplay