sábado, fevereiro 09, 2008

Sangue

Por vezes, importa não temer a quase arrogância dos axiomas meramente subjectivos. E começar por proclamar coisas mais ou menos panfletárias. Por exemplo, There Will Be Blood, de Paul Thomas Anderson — entre nós chamado Haverá Sangue (estreia: 14 Fevereiro) —, é um dos filmes maiores do século XXI americano, capaz de convocar, repensar e reconverter três componentes vitais das raízes dos EUA. A saber:
1. a relação com a terra — o "sangue" do título é o petróleo, no começo do século XX, com o genial Daniel Day-Lewis [foto] a interpretar um prospector cuja vida vai ser totalmente marcada pela sua posse e distribuição;
2. o peso do imaginário religioso — o "sangue" do título é também o sangue de Cristo, invocado por um pastor fanático (Paul Dano), personagem que se cola à acção do homem do petróleo como quem lhe nega o sentido material da sua própria relação com a terra;
3. o conflito como elemento fundador da cultura — em última instância, o "sangue" do título é, muito simplesmente, o... sangue, quer dizer, a vida que se dá ou se rouba, num processo de desgaste e destruição que parece fundamentar toda uma civilização.
Face a estes vectores estruturais — e tendo em conta a prodigiosa riqueza dramática e dramatúrgica do filme (fruto de uma adaptação livre do romance Oil!, de Upton Sinclair) —, não seria preciso acrescentar que o trabalho de P. T. Anderson penetra no seu/nosso presente com a acutilância de um sofisticado bisturi. Aqui se expõem as tensões de uma América rasgada pela coabitação das suas lógicas económicas e dos seus assombramentos religiosos. Vê-se o sangue.