N.G.: "Quando me perguntam como é ser um ícone rock'n'roll sinto que me estão a pôr no Mount Rushmore", explica Patti Smith a meio do documentário que é já um dos melhores filmes exibidos na 58ª Berlinale. Entre o cuidado narrativo do registo documental e a liberdade formal do poema, Patti Smith: Dream Of Life parte de 12 anos de imagens que o fotógrafo Steven Sebring colheu junto da cantora. Em palco, nos bastidores, em trânsito, em família... De resto, entre o espaço público e o privado, ora descobrimos, ora confirmamos, marcas de um espírito directo, simples, mas profundo de sentidos, no fundo, tal e qual o "sabíamos" já de escutar a sua música e ler a sua poesia. A memória é neste filme um tronco fundamental que explica o presente. Não convocada por nostalgia, nem mesmo quando se evocam noites no CBGB ou dias ao lado de Allen Ginsberg, William Burroughs ou Robert Mappelthorpe. A memória, pelo contrário, é o cimento que une as palavras, sons e imagens. Como se de um refrão se tratasse, há imagens de uma recorrente passagem por um quarto branco onde, de longa vestimenta preta e máquina fotográfica nas mãos, Patti Smith acumula objectos (que vai fotografando) e recorda as pessoas e histórias a eles associados.
Outra importante âncora narrativa de Patti Smith: Dream Of Life é uma igualmente transversal passagem, ao longo de todo o filme, pela ideia da morte, não apenas como uma relação de perda, mas antes sendo a memória que fica entre os vivos. Patti Smith lembra o marido (Fred Sonic Smith), o irmão, William Burroughs, Hilly Krystal, Mapplethorpe... E visita os túmulos de alguns dos desaparecidos que mais a inspiraram, de Rimbaud a Blake. Na tarde do último visionamento, tinha aproveitado o tempo livre em Berlim para visitar a última morada de Bertold Brecht.
A música, naturalmente, tem evidente protagonismo no filme. Mas através das histórias contadas compreendemos que esse foi destino inesperado. Entre os episódios de música e palavra, destaque-se um informal dueto para duas vozes e duas guitarras acústicas com o velho amigo Sam Shepard ou, ao vivo, cenas de uma noite de música ao piano e poesia lida, ao lado de Philip Glass. Presente na sala, Patti Smith e o realizador assumiram este filme como uma parceria, uma colaboração (há imagens captadas pela própria cantora). Ou seja, aqui, o objecto é também veículo de observação. E o foco da atenção narrativa não se esgota no "eu", partilhando antes a curiosidade pelo outro. Imperdível!