‘Earthling’ – álbum, 1997
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O ambiente vivido durante a digressão que se seguiu à edição de 1.Outside determinou o passo seguinte. Satisfeito com a banda e com as suas abordagens estéticas a um espaço que partia do rock’n’roll para assimilar estímulos nas electrónicas, atento como não acontecia desde os anos 70 aos acontecimentos musicais em Inglaterra (de Tricky aos Prodigy), David Bowie reuniu os músicos para novas sessões de trabalho nos estúdios de Philip Glass, em Nova Iorque. Telling Lies foi ponto de partida que definiu caminhos. Como não acontecia desde Diamond Dogs, Bowie assumiu a produção do disco na primeira pessoa, certo que estava então dos rumos a seguir. De trás retomou uma série de experiências de manipulação e geração de módulos electrónicos com base em trabalho para guitarras que, inicialmente previstos para 1.Oustide, acabaram postos de lado, à espera de vez, com a entrada em cena de Brian Eno. A construção rítmica, nalguns momentos apontada à exploração do drum'n'bass (não omnipresente, como alguma errada mediatização sugeriu) foi base para a evolução de canções na verdade maioritariamente criadas segundo métodos “clássicos”, revelando-se este o mais intensamente rock’n’roll dos discos a solo de Bowie desde Scarry Monsters (1980). O disco recuperou um out-take de 1.Outside. Era I’m Afraid Of Americans, sombrio, de ficção-científica, quase em reinvenção, mais de 20anos depois, do clima orwelliano de Diamond Dogs. Todavia, contra a atmosfera opressiva deste tema (e demais memórias recentes de 1.Oustide), Earthling é um álbum no qual, mais que os males do mundo presente e temores futuros, Bowie usa como espaço de reencontro com uma certa espiritualidade, retomando antigos diálogos entre a dúvida e a fé. A relação com as suas raízes britânicas ultrapassa, no disco, o plano das relações musicais, manifestando-se inclusivamente numa capa que então gerou a mais forte imagem de Bowie na década de 90. O disco foi bem acolhido, mais aclamado ainda que 1.Oustide. E reafirmou, depois de uns anos 80 essencialmente mal focados, um reencontro com a rara capacidade de convívio do desafio das formas com a comunicação para massas. Um feito, reconhecido, no ano em que então celebrava o seu 50º aniversário.