Está já editada em disco a obra que marca o ano em que
Philip Glass celebra os seus 70 anos, aquela que mais extensa e mediatizada digressão protagonizou. Trata-se do ciclo de canções
Book Of Longing, baseado em poemas de
Leonard Cohen, contando inclusivamente com a sua voz em algumas leituras e com os seus desenhos e pinturas como suporte visual. O projecto começou a nascer há já algum tempo, dando voz a uma antiga admiração de Glass por Cohen. Ao ler estes poemas, Glass descreveu-os como “intensamente belos, pessoais e inspiradores”. Propôs ao canadiano um projecto para uma noite de música, poesia e imagens. O sim foi imediato, e mãos à obra... A estreia mundial ocorreu a 1 de Junho em Toronto, seguindo-se longa digressão que passou por várias cidades, a última das quais Madrid, em finais de Outubro. Lisboa, nicles.
Book Of Longing parte de poemas escritos ao longo dos últimos 20 anos por Leonard Cohen, oito dos quais vividos no mosteiro budista de Mt. Baldy. Os poemas reflectem formas e temáticas variadas. Há baladas, poemas de amor, episódios autobiográficos, meditações, e até mesmo pequenos momentos de humor. A gravação que agora surge, num CD duplo, pela Orange Mountain Music, editora do próprio Philip Glass, emprega o ensemble de músicos e vozes que acompanharam a digressão de apresentação desta obra As vozes – Dominique Plaisant (soprano), Tara Hugo (mezzo soprano), Will Erat (tenor) e Daniel Keeling (barítono) – juntam-se em agrupamentos diversos, conferindo ao todo uma consistência evidente, um sentido de unidade, de obra. Formalmente
Book Of Longing é substancialmente diferente do sublime
Songs From Liquid Days, ciclo de canções de meados de 80 no qual, mais próximo de uma curiosidade pelas características da canção pop, se assinalou inesquecível colaboração com figuras como David Byrne, Paul Simon, Suzanne Veja e Laurie Anderson. Mais próximo do que conhecemos do teatro musical de Glass (as suas óperas e demais obras de grande dimensão para palco),
Book Of Longing é um conjunto de quadros que nascem dos poemas, da música e do canto. Ao contrário do que escutámos recentemente em obras nas quais se revelam sinais de libertação de certas obsessões linguísticas,
Book Of Longing é um claro espaço de afirmação das marcas características da escrita de Glass para voz (cantada em inglês) e pequeno ensemble para teclados electrónicos, sopros, um violino, um violoncelo e um contrabaixo. A junção das palavras à música é perfeita. A clareza da dicção sublinha a importância da palavra. O universo de Cohen ganha novas visões. E a música de Glass conhece aqui uma das suas obras de referência da presente década.
Da Orange Mountain Music chegou também, recentemente, uma das mais belas óperas de Philip Glass. Estreada em 1998,
Monsters Of Grace resulta de mais uma parceria com Robert Wilson. Cenicamente tratou-se de uma operação multimedia, procurando aproveitar as potencialidades que as novas tecnologias digitais abrem ao teatro musical. A produção enfrentou alguns problemas, nomeadamente no plano visual (concretamente nas animações a 3D) , somando aí algumas frustrações e as suas maiores críticas. Musicalmente, contudo,
Monsters Of Grace é um dos mais belos exemplos da escrita teatral de Glass. Baseado em textos de um místico do século XIII, capta nas músicas do Oriente pistas que se diluem na linguagem do compositor, criando uma experiência profundamente inspiradora, pacífica, elevada. E dotada de um lirismo mais evidente que o que era habitual na música de Glass em finais de 90.
Ao mercado chegou, meses depois da edição para download, o CD com uma nova gravação da segunda sinfonia de Glass baseada na música de David Bowie e Brian Eno. A
Heroes Symphony, na verdade não mais que um conjunto de reflexões, com grande sentido de liberdade e intervenção pessoal, de Glass, sobre seis temas (uns vocais, outros instrumentais) do álbum
Heroes, de 1977, é um dos mais interessantes exercícios de diálogo entre os espaços da cultura pop e os da música erudita. Bowie e Eno estão na base da ideia, a Glass devendo-se o encontrar de novas formas a partir dessas sugestões. Belísima gravação da Bornemouth Symphony Orchestra, dirigida por Marin Alsop, para a Naxos. O disco inclui ainda uma gravação de
The Light (peça orquestral de 1987).