Texto publicado no Diário de Notícias (8 Out.), com o título 'Uma lição de cinema dada por Fritz Lang' >>> No interior do cinema há um princípio de diálogo e colaboração, herdado das “novas vagas” dos anos 60, hoje em dia muito fragilizado. E seria demasiado fácil tentar explicar tal situação apenas através do “temperamento” dos cineastas. A psicologia individual é escassa para compreender as trocas de ideias e experiências no interior da classe cinematográfica. Se os cineastas dialogam menos (e têm relações mais conflituosas), isso decorre de uma fundamental crise de valores. De facto, para que tais trocas tenham lugar é indispensável que o próprio cinema funcione a partir de um conceito de colectivo em que, para além de todas as diferenças e contradições, prevaleçam alguns princípios básicos de trabalho. E não vale a pena alimentar ilusões: no presente, não parece possível haver diálogo, nem sequer mera cumplicidade simbólica, entre os que defendem a especificidade do cinema e os que aceitam a dissolução dessa especificidade no caldeirão anónimo das ficções televisivas.
Não estamos perante uma mera clivagem de “gosto”, decorrente de inconciliáveis diferenças “estéticas”. Mais do que em qualquer outro momento da história dos filmes e da sua produção, o que está em jogo é um confronto inequívoco entre o cinema-cinema e a sistemática degradação da prática cinematográfica, enraizada numa progressiva banalização do seu próprio património histórico.
Volto a questionar-me sobre tal impasse a pretexto de um magnífico documento, recentemente disponibilizado através de uma edição portuguesa de DVD. Assim, na secção de extras de O Segredo da Porta Fechada (1948), um dos grandes melodramas do período americano de Fritz Lang, surge uma entrevista com o próprio Lang, registada em Fevereiro de 1975, cerca de um ano e meio antes do seu falecimento, a 2 de Agosto de 1976 (contava 85 anos). Curiosamente, o entrevistador é William Friedkin, também um cineasta, na altura no momento mais alto de toda a sua carreira, graças ao impacto de Os Incorruptíveis Contra a Droga (1971) e O Exorcista (1973).
A entrevista é uma lição de pedagogia jornalística e de verdadeiro amor pelos filmes, com os dois homens a partilhar, no fundo, o gosto pela compreensão do cinema como linguagem específica e irredutível. E não se pense que se trata de “explicar” os filmes de Lang. Aliás, a sua conclusão é exemplar. Depois de confessar que não gosta de entrevistas, o autor de Metropolis (1927) remata: “Quando um realizador – ou talvez a palavra indicada seja criador de filmes – faz um filme, e o filme não exprime aquilo que ele quer dizer, e ele precisa de dar uma entrevista para explicar o como e o porquê, então é um péssimo realizador e não devia fazer filmes.” E Lang conclui, com uma lição que a história das imagens não desmente: “Os filmes devem falar por ele.”
Será que a maioria dos espectadores de cinema ainda procura os filmes pelos filmes? Ou será que o poder do marketing normalizou todas as formas de relação com o cinema? Como sempre, esta perturbante interrogação cultural é também um problema visceralmente económico.
Não estamos perante uma mera clivagem de “gosto”, decorrente de inconciliáveis diferenças “estéticas”. Mais do que em qualquer outro momento da história dos filmes e da sua produção, o que está em jogo é um confronto inequívoco entre o cinema-cinema e a sistemática degradação da prática cinematográfica, enraizada numa progressiva banalização do seu próprio património histórico.
Volto a questionar-me sobre tal impasse a pretexto de um magnífico documento, recentemente disponibilizado através de uma edição portuguesa de DVD. Assim, na secção de extras de O Segredo da Porta Fechada (1948), um dos grandes melodramas do período americano de Fritz Lang, surge uma entrevista com o próprio Lang, registada em Fevereiro de 1975, cerca de um ano e meio antes do seu falecimento, a 2 de Agosto de 1976 (contava 85 anos). Curiosamente, o entrevistador é William Friedkin, também um cineasta, na altura no momento mais alto de toda a sua carreira, graças ao impacto de Os Incorruptíveis Contra a Droga (1971) e O Exorcista (1973).
A entrevista é uma lição de pedagogia jornalística e de verdadeiro amor pelos filmes, com os dois homens a partilhar, no fundo, o gosto pela compreensão do cinema como linguagem específica e irredutível. E não se pense que se trata de “explicar” os filmes de Lang. Aliás, a sua conclusão é exemplar. Depois de confessar que não gosta de entrevistas, o autor de Metropolis (1927) remata: “Quando um realizador – ou talvez a palavra indicada seja criador de filmes – faz um filme, e o filme não exprime aquilo que ele quer dizer, e ele precisa de dar uma entrevista para explicar o como e o porquê, então é um péssimo realizador e não devia fazer filmes.” E Lang conclui, com uma lição que a história das imagens não desmente: “Os filmes devem falar por ele.”
Será que a maioria dos espectadores de cinema ainda procura os filmes pelos filmes? Ou será que o poder do marketing normalizou todas as formas de relação com o cinema? Como sempre, esta perturbante interrogação cultural é também um problema visceralmente económico.