Este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 de Julho), com o título 'O mundo em directo é... ao mesmo tempo' >>> Deixem-me ser muito claro: a abordagem do Live Earth pela RTP (1 e 2) pareceu-me francamente errada. Gostaria, no entanto, de não ser “integrado” no coro de cinismos vários que, a começar por alguma imprensa britânica, veio contaminar a apreciação global do evento. Vejo o Live Earth como uma iniciativa muito meritória para fazer circular informação sobre os perigos do aquecimento global e só posso saudar a opção da RTP em tratá-lo como o grande acontecimento do passado dia 7.
Se considero que a RTP errou, isso decorre daquilo que me parece uma avaliação equívoca do próprio evento. O Live Earth era um dia global para abrir caminhos para outras atitudes e novas alternativas de vida; não era uma aula, muito menos uma acumulação de discursos paternalistas sobre a separação dos lixos ou as lâmpadas sempre acesas...
A RTP preferiu convocar um rol imenso de pessoas para abordar o assunto e, convenhamos, em alguns casos apenas para fazer eco das banalidades que dominavam as intervenções dos apresentadores. Ora, nem os apresentadores tinham que ser professores por um dia, nem os convidados, mesmo os de discurso mais consistente, poderiam resolver os dramas suscitados por muitas décadas de indiferença da economia e da política.
Foi, por isso, ainda mais chocante a ligeireza com que foi tratada aquela que era, para todos os efeitos, a matéria principal. Qual? A música. Raras vezes foi possível escutar uma canção com princípio, meio e fim. Pior do que isso: a RTP insistiu em manter a ficção do directo quando, de facto, só estava a transmitir diferidos.
Como era fácil perceber através do site oficial do Live Earth, a RTP tinha apenas o chamado world feed, isto é, uma antologia em diferido de algumas interpretações. A opção por esse world feed pode ter resultado das mais diversas razões, inclusivé dos possíveis custos de outro tipo de transmissão (incluindo directos). Discutível ou não, bastaria a RTP explicar tal opção para que estivesse esclarecido o atraso dos números apresentados.
Que aconteceu, então? Às 3 horas e 19 minutos (alta madrugada de segunda-feira), Sílvia Alberto anunciava que, finalmente, íamos ter Madonna... em directo! Madonna, convém lembrar, tinha começado a cantar no estádio de Wembley pouco depois das 10 da noite, cinco horas antes do “directo” da RTP. No momento em que surgiu na RTP, as suas quatro canções não só tinham passado (em directo) no site do Live Earth e, obviamente, em muitas cadeias de televisão, como começavam a estar disponíveis em blogues de todo o mundo. Quer isto dizer que a RTP se dá ao luxo de simular a descoberta de algo que já todo o planeta podia conhecer como coisa passada e devidamente arquivada.
Não é apenas o problema de mentir ao espectadores que me incomoda. É o facto de esta mentira, no seu desesperado infantilismo, reflectir um entendimento medieval de um mundo que, de facto, há muito existe através de outros mecanismos. Em última instância, o falso directo da RTP decorre de uma brutal incompreensão do planeta de imagens em que vivemos.
Se considero que a RTP errou, isso decorre daquilo que me parece uma avaliação equívoca do próprio evento. O Live Earth era um dia global para abrir caminhos para outras atitudes e novas alternativas de vida; não era uma aula, muito menos uma acumulação de discursos paternalistas sobre a separação dos lixos ou as lâmpadas sempre acesas...
A RTP preferiu convocar um rol imenso de pessoas para abordar o assunto e, convenhamos, em alguns casos apenas para fazer eco das banalidades que dominavam as intervenções dos apresentadores. Ora, nem os apresentadores tinham que ser professores por um dia, nem os convidados, mesmo os de discurso mais consistente, poderiam resolver os dramas suscitados por muitas décadas de indiferença da economia e da política.
Foi, por isso, ainda mais chocante a ligeireza com que foi tratada aquela que era, para todos os efeitos, a matéria principal. Qual? A música. Raras vezes foi possível escutar uma canção com princípio, meio e fim. Pior do que isso: a RTP insistiu em manter a ficção do directo quando, de facto, só estava a transmitir diferidos.
Como era fácil perceber através do site oficial do Live Earth, a RTP tinha apenas o chamado world feed, isto é, uma antologia em diferido de algumas interpretações. A opção por esse world feed pode ter resultado das mais diversas razões, inclusivé dos possíveis custos de outro tipo de transmissão (incluindo directos). Discutível ou não, bastaria a RTP explicar tal opção para que estivesse esclarecido o atraso dos números apresentados.
Que aconteceu, então? Às 3 horas e 19 minutos (alta madrugada de segunda-feira), Sílvia Alberto anunciava que, finalmente, íamos ter Madonna... em directo! Madonna, convém lembrar, tinha começado a cantar no estádio de Wembley pouco depois das 10 da noite, cinco horas antes do “directo” da RTP. No momento em que surgiu na RTP, as suas quatro canções não só tinham passado (em directo) no site do Live Earth e, obviamente, em muitas cadeias de televisão, como começavam a estar disponíveis em blogues de todo o mundo. Quer isto dizer que a RTP se dá ao luxo de simular a descoberta de algo que já todo o planeta podia conhecer como coisa passada e devidamente arquivada.
Não é apenas o problema de mentir ao espectadores que me incomoda. É o facto de esta mentira, no seu desesperado infantilismo, reflectir um entendimento medieval de um mundo que, de facto, há muito existe através de outros mecanismos. Em última instância, o falso directo da RTP decorre de uma brutal incompreensão do planeta de imagens em que vivemos.