quarta-feira, julho 18, 2007

Em conversa: Laurie Anderson (1)

Iniciamos hoje a publicação da primeira de duas partes da versão integral de uma curta entrevista com Laurie Anderson, a propósito da estreia de 'Homeland', publicada no DN.

Neste regresso a Lisboa trouxe-nos Homeland [pátria]... Que pátria é esta?
É um conjunto de canções. Todas novas e, na verdade, são como um work in progress porque ainda não as gravei. Mudam muito todas as noites. Umas são políticas, outras nem por isso. Na essência descrevem a paisagem americana actual, se bem que na verdade até poderiam ser sobre qualquer outra cultura tecnológica actual.

Histórias?...
Sim, histórias. Não é um grande espectáculo multimedia. Fi-lo, numa versão dessa maneira, em Nova Iorque e não gostei...

Desfocava a atenção?
Sim... Fazia-o grande de mais... E basta andar a pé pela Madison Avenue para ver as luzes, as imagens, os sons, a tecnologia... Queria tentar contar boas histórias. Este é talvez o espectáculo mais “musical” que faço em muito tempo. Os últimos três eram bandas sonoras para ideias primordiais visuais. Este nasceu com letra e música.

Ao tomar a América como paisagem para estas canções, não deixa de ter em conta o país político em que hoje vive...
É estranho, porque cada vez mais penso que a música talvez não seja a melhor forma de veicular ideias políticas. Mas mesmo assim quase ninguém o está a fazer e isso não deixa, também de ser estranho. Até porque toda a gente fala do que se está a passar. Não sei se esta será a melhor ideia, mas por vezes, e sobretudo neste tempo sombrio em que vivemos, pode fazer sentido. Votámos num novo governo anti-guerra mas nada mudou! E apercebemo-nos que não é o Governo quem gere esta guera. É uma coisa corporativa! O capitalismo venceu e temos exemplo disso pelo mundo fora... Não são países a combater... Temos de ter o novo carro, a nova casa, a nova mulher, o novo telemóvel... Não é um clima interessante.

Como vê esta América de hoje?
O mundo está tão cheio de fantasmas... 60 por cento dos americanos não sabem em que continente fica o Iraque, e é ali que estamos a lutar uma guerra! A guerra ao terror onde fica? É um país sem nome! Não tem uma fronteira que se possa passar…

E no sentido oposto à canção política, como vê a utilização da música pelos políticos, como o fez Al Gore com o Live Earth...
O ambiente é um assunto enorme. É importante que Al Gore faça o que está a fazer. Não sei se será consequente, mas não faz mal nenhum levar as pessoas a reflectir. Não mudará as políticas no dia seguinte, mas há ideias que acabarão por ser assimiladas... É preciso fazer qualquer coisa...

Que pátrias pensa que nos guarda o futuro?
O mundo está mais quente, mais cheio de gente... Mas umas das coisas mais intreressantes que ouvi foi um projecto da Nasa pensado para os próximos cinco mil anos e que envolve a deslocalização de toda a indústria para fora da Terra, a redução de lixos tóxicos e o controlo populacional. A ideia central é a devolver o planeta à sua condição de Jardim do Éden primordial ... Mas será possível? Os Chineses estão nos tribunais internacionais a defender que são donos da Lua. Mas os Russos podem dizer que enviaram sondas primeiro. Os Americanos mandaram os primeiros homens. E os italianos podem dizer que foram os primeiros a vê-la. Quem tem a razão? O cenário será semelhante ao dos dias dos descobrimentos. Os colonizadores serão aqueles com os “barcos” mais rápidos...

Reflectir sobre o futuro é criativamente estimulante?
Sim, e a música aí é um bom veículo para expor esses pensamentos. E, quem sabe, mais eficaz aí que a política.
(conclui amanhã)