terça-feira, julho 17, 2007

Discos da semana, 16 de Julho

Intensamente associada a uma noção de manipulação em estúdio (apesar da enorme quantidade de obras centradas no piano e outros instrumentos “convencionais”), a música ambiental tem conhecido diversos momentos de reinvenção ligados à entrada em cena de tecnologias ou de novas formas sonoras que as novas máquinas permitam criar. Pianista de formação clássica e obra versátil Ryuichi Sakamoto tem dedicado parte da sua atenção nos últimos anos ao desafio da busca dos sons que podem morar entre as notas que cria ao piano. Insen, colaboração com o minimalista “radical” Alva Noto, dava evidentes sinais de uma direcção assumida nessa busca, procurando a “razão” algures entre a identidade essencialmente textural característica de Noto e o melodismo incontornável na escrita de Sakamoto. Cendre, segunda colaboração com o guitarrista austríaco Christian Fennesz (com quem Sakamoto editara o EP Sala Saint Cecila, em 2005), aprofunda esta exploração. De certa maneira, o disco é herdeiro de uma genética central à estética ambient, definida pelos álbuns Ambient 2: Plateaux Of Mirror (1980) e The Pearl (1984) de Harold Budd e Brian Eno, o primeiro sugerindo melodias ao piano, o segundo desenhando espaços e texturas ao seu redor. Ryuichi Sakamoto sugere linhas de melodia, mais abstractas que narrativas. A seu lado, Fennesz ensaia instantes de formas cénicas. O encontro é compensador para o ouvinte, se bem que ainda revele uma certa tensão no encontro de linguagens que pedem novos desenvolvimentos no futuro.
Fennesz Sakamoto
“Cendre”
Touch Tone / Ananana
4/5
Para ler mais: site da editora


Apesar das primeiras ideias lançadas em 1995, o projecto Recoil, de Alan Wilder, só ganhou corpo (e visibilidade) quando o músico abandonou os Depeche Mode, dez anos depois. Dos primeiros ensaios de corte e colagem 1 + 2 e das texturas minimalistas de Hydrology, a música de Wilder caminhou no sentido da canção, tendo gravado, entre 1997 e 2000, três álbuns de feliz ensaio de ideias, para os quais tendo convocado, entre outros, colaboradores como Douglas McCarthy (Nitzer Ebb), Moby, Toni Halliday (Curve) ou Diamanda Galás. Após um hiato de sete anos, voltou a montar um estúdio em casa, actualizando software de gravação e, no sentido contrário, apontando a busca de raízes de inspiração bem mais atrás no tempo. Segundo sugestões já pontualmente lançadas em discos anteriores, Alan Wilder faz de Subhuman um manifesto de recontextualização dos blues, para tal socorrendo-se da voz, harmónica e histórias do veterano Joe Richardson, que consigo partilha o protagonismo de um álbum que procura, por outros caminhos, uma mesma ideia que Moby explorou, sob travo mais pop, em Play. Subhuman é um disco sombrio, tenso, menos “electrónico” que obras anteriores de Wilder, mantendo todavia firme o seu apetite pela metódica construção sonora. Um disco de digestão pouco fácil, com raras frestas de luminosidade quando a voz acaba entregue, em cenografia mais suave, à inglesa Carla Trevaskis. No fim, um monumento de produção, mas que peca por muito curta imaginação na composição.
Recoil
“Subhuman”

Mute / EMI
2/5
Para ouvir: MySpace


Como estragar um bom disco com uma má opção depois dele gravado? A resposta pode ser encontrada no inenarrável Pullhair Rubeye, gravado de parceria entre Avey Tare (dos digníssimos Animal Collective) e Kria Brekkan (nada mais nada menos que Kristin Anna Valtysdóttir, dos Múm). Era uma vez um álbum de canções folk simples e terrenas, feito de nada mais que vozes, guitarras acústicas e piano... Um álbum pronto a editar... Até ao dia em que os músicos saíram para ir ao cinema para ver... Inland Empire, de David Lynch. De volta a casa, a iluminação (ou, como verão, o contrário)... Vai daí, resolvem rebobinar as fitas e editar o álbum de trás para a frente. E é isso mesmo o que escutamos em Pullhair Rubeye: 31 minutos de música de trás para a frente, faixa após faixa. Anarquia folk? Nem por isso, uma vez que a ideia se esgota ao fim de dois temas, se torna penosa ao fim do alinhamento e se revela absoluto disparate depois de escutado o álbum da frente para trás (sim, já circula pela Internet). Avey e Kria sabiam que logo haveria gente a correr ao software para rebobinar o disco. Mas, como obra, Pullhair Rubeye é, musicalmente, o que está em disco. As canções desaparecem para dar lugar a tecidos abstractos de som rebobinado. A técnica (uma das mais frequentes nos dias de explosão criativa de finais de 60) gerou já verdadeiros monumentos. Os Stone Roses, por exemplo, mostraram como a recontextualizar, a ela recorrendo numa das faixas do seu álbum de estreia (Don’t Stop, criada sob o rebobinado de Waterfall). Aqui, todavia, a ideia faz tábua rasa de todo um registo. Mata-se assim um belo disco folk. Ganha-se uma bizarria inconsequente.
Avey + Kria
“Pullhair Rubeye”

Paw Tracks / Flur
2/5
Para ler mais: site da editora


O disco é eterno! O bicho papão de 70 (na verdade Papão foi apenas a dose massiva de clones de segunda para vendas de primeira que tomaram conta do mercado em 77 para desaparecer dois anos depois) regressa a cada temporada. E com novas ideias e novos criadores (aviso à navegação: a cada novo máxi-single, o projecto nova-iorquino Escort promete jogar cartas altas neste campeonato). A dupla norueguesa Hans-Peter Linsdtrom e Prins Thomas tem-se revelado uma das mais consequentes na reinvenção daquela que foi a banda sonora primordial da club culture. De resto, o mais importante depoimento de vitalidade do disco na presente década, capaz mesmo de integrar pistas das suas manifestações laterais (como o hi-nrg) foi lançado em 2006 por Lindstrom, a solo em It’s a Feedelity Affair. Reinterpretations, agora editado, é um disco-companheiro do álbum Lindstrom & Prins Thomas, de 2005. Junta remisturas até aqui apenas disponíveis em vinil, lados B e mesmo um inédito, continuando a progressão de uma história que assim reforça o protagonismo desta dupla neste terreno de invenção. Como no próprio disco na origem destas remisturas, um sentido de ecletismo corre por esta música. Do flirt com o kraut e o prog em Vrang Og Vanskelic ao proto-disco do díptico Nummer Fire (Em + To), da eloquência pianística de Mighty Girl ao tempero à la Moroder de feira de Feel Pm, do divertimento disco pop de Boney M Down à remistura transgernder que transforma Claudia em Claudio, e com absoluto destaque na abertura, onde se apresenta a que parece ser a versão definitiva do espantoso Turkish Delight, Reinterpretations serve uma música com pulsão rítmica mais evidente que o álbum de há dois anos. Mas é quase tão indispensável como esse disco então o foi.
Lindstrom & Prins Thomas
“Reinterpretations”
Eskimo Recordings / Última
4/5


Quando entraram em cena, em finais da década de 90, eram apontados como uma das mais promissoras bandas britânicas da década que aí vinha. E, convenhamos, o álbum de 2000, International Wrangler, mais não fez que dar razão às expectativas. Seguiram-se outros três discos, mas a pujança inicial desvaneceu-se e, hoje, os Clinic sobrevivem bem longe do futuro de glória que lhes foi em tempos vaticinado. Menos de um ano depois do quase invisível Visitations, uma antologia de lados B aparece nos escaparates, quase sem que ninguém dê por ela. É pena, porque, como a audição desta galeria de personagens “secundárias” revela, nos Clinic mora, desde o início, uma das mais curiosas manobras de reinvenção do viço e frenesi do bom velho surf rock, temperado e actualizado através de cruzamentos híbridos que juntam, numa cataplana de folia rock’n’roll, ingredientes que vão do punk ao jazz britânico, com passagens evidentes pela memória dos girl groups de 60, os Velvet Underground ou o grande livro do psicadelismo. Funf, assim se chama o disco, é uma galeria de temas esquecidos, que vão do muito bom (como a abertura instrumental de The Majestic ou aos igualmente pungentes Christmas ou The Castle) ao perfeito disparate (como o tropeção punk sem razão que é Nicht). Uma colecção curiosa, mas apenas destinada aos mais fiéis...
Clinic
“Funf”

Domino / Edel
3/5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
David Bowie (DVD), Teddy Thompson, Wonderstuff (BBC sessions), Levellers (reedições), Philip Glass (archive edition. vol1), Traveling Wilburys (reedição – local), Pearl Jam (caixa – live), Laurie Anderson (reedição), Garbage (best of), Yeah Yeah Yeahs (EP), Doors (Live), Grateful Dead (live), Future Sound Of London (3 volumes de arquivos audio), Gogol Bordello, Valentin Silvestrov (sinfonia nº 6)

Brevemente:
23 de Julho: Prince, The Thrills, Lloyd Cole (BBC Sessions), Common, Bat For Lashes
30 de Julho: Motown Box – Vol 7 (singles de 1967), Love, Coral, Osvaldo Golijov, Richard Thompson
6 de Agosto: Kula Shaker, Siouxsie Sioux, Kanye West, Richard Hawley

Agosto: Anne Sofie Von Otter, Todd Rudgren, Debbie Harry, Fairport Convention, Architecture In Helsinki, Jim White
Setembro: Animal Collective, Lambchop, Mazgani, Go! Team, Múm, PJ Harvey, Clã


Estas datas podem ser alteradas pelas editoras a todo o momento