Ano Bowie 46
‘Station To Station’ - álbum de 1976
Numa abordagem meramente musical, Station To Station parece (e é) a ponte que liga Young Americans (1975) a Low (1977). Editado em 1976, o álbum herda ainda entusiasmos notórios de uma franca relação com a música negra norte-americana expressa não apenas em Young Americans mas também já evidente no disco ao vivo David Live, de 1974, registado em Filadélfia. E reflecte aproximações a uma nova música mais ciente de uma noção de textura e cenografia, atenta às recentes revelações dos Kraftwerk e do despertar de curiosidades para com o trabalho de Brian Eno. De resto, editado alguns meses antes do álbum terminado, o single de avanço, Golden Years, define mais que qualquer outro momento do álbum, o exacto ponto intermédio de um percurso em construção. Todavia, mais que uma etapa no desenvolvimento do esteta musical, Station To Station é a tradução em disco de uma das mais sombrias temporadas na vida de David Bowie. Com nova morada em Los Angeles, numa casa onde raramente se abriam cortinas, pouca luz iluminando uma decoração feita de motivos inspirados no antigo Egipto, Bowie entregava-se a uma dieta de pimentos verdes e vermelhos, cocaína e sumo de laranja. O disco foi a primeira manifestação de uma suposta era nova para Bowie, que em finais de 1975 anunciara que deixaria o rock’n’roll e mesmo os palco. O dito por não dito não tardou, o rock regressando com franco protagonismo em Scarry Monsters (1980), os palcos, logo em 1978, na Stage Tour... 1976 era, contudo, terreno para mudanças desejadas, umas no plano particular, outras na mais visível esfera musical. O sucesso de Young Americans e o fim da ligação ao manager Tony DeFries sugeriram um sentido de liberdade que, literalmente, Bowie transformou em música. Juntando nova equipa de músicos, em sessões que chegaram a durar mais de 24 horas, sob intensa demanda de perfeccionismo serviram canções que emergiam, entre as já referidas metas musicais e um sentido de alienação que transportava para a sua escrita traços evidentes da personagem que vestira no filme The Man Who Fell To Earth, de Nicholas Roeg (1975). O disco é uma fresta possível numa alma atormentada entre reflexões sobre o oculto, o cristianismo, o mundo moderno. E serviu a criação de nova figura, o Thin White Duke, cuja aparência e comportamentos em tudo eram manifestações das ideias (de ficção) expressas nas canções. O teatro, uma vez mais, ao serviço da obra. O homem, naturalmente, expressão inevitável de si mesma.