sábado, junho 09, 2007

A segunda vida do Major Tom

Ano Bowie 48
‘Ashes To Ashes’, Single, 1980



Podemos discutir onde e quando começaram os anos 80. Há quem diga na Alemanha de 1978, com The Model dos Krafwerk. Há quem fale, antes, na Londres de 1979 com a remodelação do som (e imagem) dos Japan... Há quem vá mais atrás no tempo, e fale no soberbo Manifesto (1978), dos Roxy Music... Bom, ficaríamos aqui horas, todos e ninguém sem razão. Aceitemos, então, a sugestão de Bowie, para em Ashes To Ashes encontrar um momento fulcral, fim de ciclo e consequência de uma intensa etapa de renovação de ideias vivida entre 1976 e 79, e esperada porta de entrada para uma década que via em cena, como protagonistas na cena pop, os descendentes de Ziggy Stardust e do Thin White Duke. Ou seja, Ashes To Ashes concentra as melhores ideias ensaiadas nos álbuns entre Station To Station e Lodger, propondo um encontro entre as estruturas clássicas da canção e a presença, marcante, de sons sintetizados com primeiro rosto. E, ao mesmo tempo, usa a nova arma dos seus discípulos, o teledisco, numa pequena obra de David Mallett que rapidamente mostrou como o antigo professor ainda era “o” mestre. A canção é a primeira sequela de Space Oddity (a segunda será Hallo Spaceboy, 15 anos depois), aceitando assim a própria genética de Bowie como ponto de partida. Porém, na arte final, é uma canção capaz de definir o paradigma de um tempo e do movimento que o caracteriza. Nascido discretamente em bares de Londres e Birmingham em 1979, o movimento neo-romântico (Duran Duran, Visage, Spandau Ballet, Classix Nouveaux, Landscape) tivera por maternidade Bowie Nights em discotecas com rigoroso dress code a vetar entrada a todos os que se não mostrassem visualmente capazes de ser incluídos numa “família” que em tudo descendia das noções de excesso do glam rock. Bowie, uma vez mais... Primeiro single de um álbum então anunciado como o disco que arrumaria os seus passados, Ashes To Ashes pode ser visto, como uma autobiografia, encriptada claro, que explica como foi que ali se chegou. A letra é uma colagem de referências, do Major Tom de 1969 ao funk de 1975, do junkie de 1976 ao “action man” que pode bem ser uma referência à MainMan de DeFries... Os próprios acordes definidores da canção correspondem, explicou Bowie em 2003, aos primeiros que aprendeu a tocar na guitarra. A canção é globalmente reconhecida como um dos maiores clássicos de Bowie. E, editada em single em 1980, destronou os então imbatíveis Abba do primeiro lugar londrino.

‘Ashes To Ashes’ (RCA, 1980)
Lado A:
Ashes To Ashes
Lado B: Move On




Ashes To Ashes é, apesar dos anteriores esforços de Bowie, o seu primeiro teledisco verdadeiramente memorável. David Mallet, o realizador, usou técnicas inovadoras de manipulação de imagem (como o Paintbox) e um sentido de sugestão narrativa então ainda raro em telediscos. Bowie dá corpo a três personagens: o doente no hospital psiquiátrico, o homem do espaço e o pierrot, este último gerando a mais forte imagem sua do período, afinal nada mais que mais uma citação autobiográfica recordando Lindsay Kemp e os dias em que trabalhou como mimo, nos anos 60. A imagem do pierrot foi usada na capa do single e, inclusivamente, no artwork do álbum. Ao lado do Pierrot, numa cena de praia filmada ao raiar do dia, em Hastings, caminham figurantes recrutados pelo próprio Bowie numa Bowie Night, em Londres, no Blitz, a sede espiritual do movimento neo-romântico. Reconhece-se, entre o grupo, a figura de Steve Strange (Visage). Ausente está Boy George, que se diz não ter conseguido acordar à hora a que a carrinha supostamente terá recolhido os figurantes. Mitologias pop.