domingo, junho 10, 2007

Reinventar o barroco

Aos 38 anos de idade, o pianista francês Alexandre Tharaud é já dono de uma impressionante e aclamada discografia. A sua estreia para a Harmonia Mundi, em 2001, com Nouvelles Suites, de Rameau, foi dos álbuns que nesse ano mais juntou o aplauso da crítica ao entusiasmo do mercado comprador de discos. Seis anos depois, e tendo entretanto gravado, entre outras, obras de Ravel, Chopin ou Schubert, regressa ao barroco francês num disco de espantosas interpretações para piano de peças originalmente compostas para cravo pelo virtuoso francês François Couperin (1668-1733). Em Tic, Toc, Choc (ed. Harmonia Mundi), Tharaud recolheu aquelas que lhe pareceu serem as peças mais “pianísticas” de Couperin, capazes de sublinhar um prazer da interpretação que, de facto, passa em pleno para o espectador. Outro critério determinante assegurou o sucesso deste reencontro com um dos grandes mestres do barroco francês. Foi ele a opção por fazer do disco uma sucessão de pequenas peças, sem ligação entre si, evitando a interpretação de alguma obra de maior fôlego, nem toda ela eventualmente adaptável ao piano da mesma forma. Contra atitudes puristas, sublinhando que a arte da interpretação é, também, uma manifestação de uma personalidade criativa e, portanto, interventiva, o pianista agiu sobre Bruit de Guerre e Musée de Taverni, na primeira adicionando sugestões de percussão (por Pablo Pico) e nesta última peça (originalmente para mais de duas mãos), tomando a liberdade de usar em seu favor as actuais técnicas de gravação. Um disco deslumbrante, onde o passado é evocado com espantoso sabor a uma vida presente. E com uma das melhores capas que, certamente, este ano veremos em disco (foto de Cristophe Urbain).

François Couperin nasceu em Paris em 1668, numa família de diversos talentos musicais. De resto, o título “Couperin, o Grande” foi-lhe mais tarde atribuído, servindo para o distinguir de outros familiares, entre os quais o próprio pai, que o jovem François, ainda com 11 anos de idade, substituiu como organista em Saint Gervais, em Paris, posto que apenas tomou como efectivo sete anos depois e que, mais tarde, passaria para o seu primo Nicolas Couperin. Em 1693 sucedeu ao seu professor Thomelin como organista na Chapelle Royale, com o título de organista do rei. O compositor beneficiou da protecção evidente de Luis XIV nos últimos anos do seu longo reinado, tendo então animado, com concertos, inúmeros serões da corte de Versalhes.
Em 1717, já sob a regência de Philippe d’Orleans, tornou-se “ordinaire de la musique de la chambre du roi” e, com os seus colegas, assegurava um concerto semanal, habitualmente aos domingos. A sua música assimilou formas e gostos da Itália de então, nomeadamente as sonatas de Corelli, a quem de resto dedicou uma das suas composições. Um conjunto de peças, às quais deu o nome de Goûts Reunis (gostos reunidos) representa uma evidente criação de fusões entre os estilos francês e italiano da época. Era um artista de sorte, um compositor prolixo e também um grande improvisador.
A sua escrita para cravo, instrumento no qual era virtuoso, contribuiu para a criação de novas formas de ornamentação e interpretação, tendo influenciado diversos músicos, entre os quais J.S. Bach. A sua obra para cravo contém 230 peças individuais que podem ser interpretadas por um solista, ou tocadas em pequenos grupos de câmara. Muitas das peças para tecla de Couperin têm títulos evocativos e pitorescos e expressam sugestões de ambientes e pequenos desafios. Há quem as tome por pequenos poemas tonais, característica que entusiasmou Richard Strauss, que depois orquestrou algumas destas peças. A música para piano de Brahms também mostra influências de Couperin. Johannes Brahms, de resto, contribuiu para a primeira edição da obra completa do compositor francês, na década de 80 do século XIX. Jordi Savall descreve-o, hoje, como um “poeta musical por excelência”.