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Estava-se em 1945. Em poucos anos, Hitchcock tornara-se um dos mais prestigiados autores entre os que, perante a eclosão da Segunda Guerra Mundial, tinham deixado a Europa a caminho dos EUA. O seu primeiro título americano, Rebecca, obtivera mesmo o Oscar de melhor filme de 1940 e, de alguma maneira, consolidara a sua relação com o respectivo produtor: David O. Selznick.
O certo é que a colaboração de Dalí foi encarada de forma bem diferente por Hitchcock e Selznick. Como o realizador disse a François Truffaut (no livro-entrevista que este lhe dedicou), o produtor acolheu muito bem a ideia, mas por razões equívocas: “Selznick aceitou, mas estou convencido que pensou que eu queria Dali por causa da publicidade que o seu nome nos traria.” Ora, a perspectiva de Hitchcock era bem diferente, decorrendo de uma opção eminentemente estética: “Queria Dalí por causa das arestas da sua arquitectura – Chirico é muito parecido –, das sombras alongadas, do infinito das distâncias, das linhas que convergem na perspectiva, dos rostos informes...”
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Hitchcock nunca escondeu a sua decepção. Queria filmar o sonho com a luz crua do sol, mas Selznick, considerando que a rodagem em estúdio era muito menos dispendiosa, não o permitiu. Ironicamente, a sequência desenhada por Dali transformou-se num símbolo histórico de A Casa Encantada, não deixando de suscitar curiosos paralelismos iconográficos com os dois títulos lendários de Luis Buñuel em que o pintor colaborou: Un Chien Andalou (1929) e L’Âge d’Or (1930). Para além dos percalços de produção, ficou uma mensagem vital: a de que o cinema pode ser uma via de eleição para aceder às razões mais obscuras da mente humana.