sexta-feira, abril 06, 2007

Quando a vida vence a morte

Por variadas razões, este era um dos discos mais esperados do ano. Por um lado, pesava o estatuto de culto global que há muito goza o Kronos Quartet (de quem, há poucas semanas, acolhemos a edição de The Fountain, banda sonora do mais recente filme de Darren Aronovfsky). Por outro, o não menos evidente entusiasmo com que muitos encaram hoje a obra do polaco Henryk Górecki (n. 1933), sobretudo depois de ultrapassada a inesperada fasquia do milhão de cópias vendidas, o que aconteceu com uma gravação da sua Sinfonia Nº 3, em 1992, com a voz de Dawn Upshaw e a London Sinfonietta (dirigida por David Zinman), edição da Nonesuch. Porém, um tempero adicional justificava a espera. Sucessor dos dois primeiros quartetos de cordas do compositor – com os subtítulos, respectivamente, Already it is Dusk (de 1988) e Quasi Una Fantasia (de 1990/91), ambos gravados em 1993 pelo Kronos Quartet, um terceiro era dado como composto desde 1995. Composto, guardado dez anos, e apenas entregue ao Kronos numa versão definitiva em 2005, para então ser finalmente apresentado publicamente. Assim foi, tendo o seu Quarteto de Cordas Nº 3 - ... Songs Are Sung, conhecido estreia no Carnegie Hall, em Nova Iorque, a 24 de Março de 2006. E agora, via Nonesuch, a sua primeira gravação.

Uma primeira audição desta magnífica obra de pouco mais de 50 minutos, dividida em cinco andamentos, confirma em pleno as mais entusiasmadas palavras que a crítica registou no momento da sua estreia em palco. Assim como reafirma a descrição de David Harrington, violinista do Kronos Quartet, que, nessa ocasião, descreveu a obra como uma das mais líricas, intensas e pungentes alguma vez escritas para quarteto de cordas. Uma música que serve de consolo à medida que encara as faces mais sombrias e profundas da existência. Profundamente pessoal, mas absolutamente capaz de partilhar um sentimento de melancolia que inevitavelmente associamos à expressão maior da perda: a morte.
Tal como na sua elegíaca Sinfonia Nº 3 (originalmente composta em 1976), Górecki faz deste seu terceiro quarteto de cordas uma reflexão íntima e delicada sobre a morte. ... Songs are Sung, o subtítulo que dá nome à obra não é mais que o verso final de um pequeno poema do escritor russo, do século XIX, Velimir Khlebnikov, naturalmente em tradução para inglês:

When horses die, they breathe
When grasses die, they wither
When suns die, they go out
When people die, songs are sung

Contemplativo, ocasionalmente aceitando frestas de intensidade turbulenta que logo cedem espaço a nova plácida planície de sombria sensibilidade para notas longas e delicadas, ...Songs are Sung distingue-se da Sinfonia Nº 3 pelo recurso a uma escrita mais complexa (distante portanto das sugestões quase minimalistas dessa obra de absoluta referência da música da segunda metade do século XX) e, também, pela ausência de uma voz que concretize nas palavras o tom fúnebre de um discurso sobre dor e perda. Todavia, e tal como nessa mesma sinfonia, este quarteto de cordas consegue impedir que um sentimento mórbido nos assombre, como que nos alertando para um possível optimismo que o homem por vezes encontra no mais negro e desesperado dos cenários que eventualmente o envolvam e assim evite a desistência por resignação. Estas sugestões de optimismo não são necessariamente encontradas na intensidade do terceiro andamento (allegro), morando antes o optimismo “góreckiano” nas entrelinhas de notas contemplativas, a luz rompendo inevitavelmente as sombras, nova vida no fim sucedendo-se a cada morte.