sexta-feira, abril 06, 2007

Espartanos na idade do digital

Terá sido com o Superman (1978), de Richard Donner, que o cinema iniciou um novo capítulo de relação com a banda desenhada. É uma história acidentada e desequilibrada que oscila entre a fulgurância de algumas adaptações (por exemplo, os "Batman" de Tim Burton) e a retórica repetitiva de outros ("X-Men"). Mais do que isso: é uma história que reintegra um gosto de manipulação material & tecnológica que está muito para além (ou aquém) do fetiche contemporâneo dos efeitos especiais. Em boa verdade, remonta aos tempos primitivos do primeiro génio do artifício cinematográfico, isto é, George Méliès.
300, de Zack Snyder, é a ilustração prática de tudo isso. Que é como quem diz: uma adaptação — da banda desenhada homónima de Frank Miller — em que a resistência dos espartanos ao avanço dos persas, algures no ano 480 A.C., surge transfigurada por um invulgar tratamento técnico & formal. Dito de outro modo: este é um objecto de cinema fabricado em estúdio e, depois, dos cenários às cores, concretizado através dos mais sofisticados computadores.
Em boa verdade, não se trata de uma novidade, mas da súmula de um processo de diversificação do cinema que está em marcha há cerca de 20 anos (e que já seduziu gente tão interessante como Jean-Luc Godard, Francis Ford Coppola ou David Lynch). O cinema não tem que ser (nem será) apenas feito deste modo. O certo é que 300 ficará como uma data nesse processo de contaminação das artes narrativas pelo digital, ironicamente reencontrando o sabor primitivo de alguma série B dos anos 50/60.