De que falamos quando falamos de D. Quixote? Ou ainda: como podemos continuar a pensar/filmar o (anti-)herói de Cervantes neste nosso tempo de menos bonomia e infinitamente menos impulsos utopistas? A resposta deste filme espanhol, falado em catalão — Honra de Cavalaria, de Albert Serra — é, de uma só vez, didáctica e surreal. Por um lado, trata-se de devolver Quixote e Sancho Pança a uma espécie de grau zero da natureza — perante um Sancho agora distante e desencantado, o iluminado cavaleiro refaz-se como nobre seguidor da mais básica verdade da natureza e, sobretudo, da urgência de, a partir dela, elaborar um quadro de valores em que os humanos se possam reconhecer e realizar. Por outro lado, na sua demanda de um mundo outro, este Quixote relança-nos perante uma interrogação actualíssima: como definir os contornos de um discurso político que não exclua o sonho nem minimize o valor específico, tendencialmente poético da Palavra (com "P" maiúsculo, nem que seja por humildade face às nossas imperfeições comunicacionais). Estamos, em resumo, perante um belíssimo ovni cinematográfico, desses que nos levam a questionar os métodos e coordenadas da arte de ser espectador.