O espaço de discussão do cinema por-tuguês está afogado em lugares-comuns que tentam boicotar qualquer reflexão inteligente sobre os seus problemas. Um dos mais agressivos é o que impõe uma clivagem absoluta entre números do mercado e pensamento crítico: os filmes "populares" seriam os que a "crítica" menospreza.
Para começar, convém relembrar que a "crítica" pode ser muito discutível, mas não existe como rebanho — melhor ou pior, cada crítico produz uma opinião que não se dissolve num caldeirão de generalidades. Ora, face a um objecto português como Filme da Treta, de José Sacramento, tão (legitimamente) empenhado em conseguir muitos espectadores, importa repetir uma outra verdade básica. A saber: que a especificidade crítica ignora — sublinho: ignora — as performances financeiras. Não se escreve para "acrescentar" ou "roubar" espectadores a um filme, mas para o pensar. Que haja quem menospreze a simples possibilidade de tal pensamento existir, eis o que não pode minimizar a importância vital do exercício das opiniões — face ao cinema ou a qualquer outra forma de expressão artística.
Ora, o que é triste e penoso em Filme da Treta é a sua estranheza a qualquer desejo cinematográfico. Retomando as personagens de Conversa da Treta — Zezé e Toni (José Pedro Gomes e António Feio) —, o filme limita-se a uma colagem grosseira de sketches que, além do mais, perderam as suas raízes. Mal ou bem, as conversas originais eram um simples diálogo que vivia de caricaturas e trocadilhos mais ou menos inspirados. Agora, tudo desliza para a facilidade portuguesa da stand-up comedy que, desgraçadamente, esquececeu os modelos inspiradores (de Woody Allen a Seinfeld), esgotando-se na proliferação automática de anedotas mais ou menos escatológicas.
Filme da Treta é menos um produto de cinema e mais um sintoma do triunfo dos valores televisivos sobre o audiovisual português. Claro que a televisão pode ter um papel importantíssimo a desempenhar na vida do cinema. Mas o espírito televisivo que se exprime em Filme da Treta é o da academização rotineira do humor e da banalização formal de todas as narrativas. Um dia destes, teremos grandes mecanismos de apoio ao cinema e, nas salas, apenas sucedâneos banais da televisão.
Para começar, convém relembrar que a "crítica" pode ser muito discutível, mas não existe como rebanho — melhor ou pior, cada crítico produz uma opinião que não se dissolve num caldeirão de generalidades. Ora, face a um objecto português como Filme da Treta, de José Sacramento, tão (legitimamente) empenhado em conseguir muitos espectadores, importa repetir uma outra verdade básica. A saber: que a especificidade crítica ignora — sublinho: ignora — as performances financeiras. Não se escreve para "acrescentar" ou "roubar" espectadores a um filme, mas para o pensar. Que haja quem menospreze a simples possibilidade de tal pensamento existir, eis o que não pode minimizar a importância vital do exercício das opiniões — face ao cinema ou a qualquer outra forma de expressão artística.
Ora, o que é triste e penoso em Filme da Treta é a sua estranheza a qualquer desejo cinematográfico. Retomando as personagens de Conversa da Treta — Zezé e Toni (José Pedro Gomes e António Feio) —, o filme limita-se a uma colagem grosseira de sketches que, além do mais, perderam as suas raízes. Mal ou bem, as conversas originais eram um simples diálogo que vivia de caricaturas e trocadilhos mais ou menos inspirados. Agora, tudo desliza para a facilidade portuguesa da stand-up comedy que, desgraçadamente, esquececeu os modelos inspiradores (de Woody Allen a Seinfeld), esgotando-se na proliferação automática de anedotas mais ou menos escatológicas.
Filme da Treta é menos um produto de cinema e mais um sintoma do triunfo dos valores televisivos sobre o audiovisual português. Claro que a televisão pode ter um papel importantíssimo a desempenhar na vida do cinema. Mas o espírito televisivo que se exprime em Filme da Treta é o da academização rotineira do humor e da banalização formal de todas as narrativas. Um dia destes, teremos grandes mecanismos de apoio ao cinema e, nas salas, apenas sucedâneos banais da televisão.
* Texto publicado hoje, na revista "6ª", do Diário de Notícias.