O lugar-comum é, por definição, insi-dioso — faz-nos dizer, ou pensar, algo que é tido como universal, tão universal e incontestável que nem sequer valeria a pena pensar naquilo que dizemos. Ouço, assim, Marcelo Rebelo de Sousa celebrando o comportamento da selecção portuguesa no Europeu de basquetebol (que depois se ligou com uma visão semelhante da selecção de râguebi no Mundial). Diz ele que a selecção "perdeu com dignidade". O lugar-comum que aqui se insinua (e de cuja gestação, como é óbvio, o emissor não pode ser considerado responsável) é o de que não existem derrotas limpas. Aliás, mais exactamente: a derrota atrai, porventura concretiza, a vergonha da indignidade.
Estranho, sem dúvida. Sobretudo porque nunca ninguém interroga a dignidade ou indignidade das vitórias. Insolitamente, o que este dispositivo ideológico rasura são as próprias diferenças desportivas. É certo que, no exemplo em causa, tais diferenças foram referidas, mas não basta dizer que uma selecção portuguesa perdeu com uma selecção infinitamente superior (seja ela qual for) — de acordo com este discurso purificador, é preciso acrescentar que a superioridade do adversário foi, de algum modo, "anulada" pela dignidade dos nossos atletas.
Vivemos, assim, numa permanente dramatização extremista que, insisto, nos faz perder o contacto com a realidade dos adversários. De facto, o que este nacionalismo pueril favorece é uma militante incapacidade de avaliar — e, mais do que isso, admirar — os adversários. Por mim, diria que essa incapacidade é, em termos desportivos, uma indignidade.