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Maria José Nogueira Pinto usou a mais básica das justificações: “Não percebo por que razão um filme sobre fado tem de ser entregue a um realizador espanhol”… Não percebe? Pela mesma razão que um filme sobre a canção cubana, feito por um realizador alemão (Wim Wenders), deu vida a músicos que caminhavam para uma morte anónima (Ibrahim Ferrer, Compay Segundo, Ruben Gonzáles) e reactivou o interesse global pela música cubana. Pela mesma razão pela qual uma realizadora inglesa (Sally Potter) fez um filme sobre o tango. Ou pela mesma razão pela qual um músico inglês (Peter Gabriel) encontrou Nusrat Fateh Ali Khan quando estudava as músicas do médio oriente para trabalhar a banda sonora para a Última Tentação de Cristo de Scorsese, e dele fez um dos fenómenos maiores da world music de 90. Ou pela mesma razão pela qual uma editora francesa descobriu o potencial de Cesária Évora antes das editoras portuguesas, e dela fez figura global… Ou, num exemplo nacional, pela mesma razão que Philip Glass foi o escolhido para compor a ópera que encerrou a Expo 98 (apesar de ninguém, Ministério de Cultura, RTP, RDP, ou mesmo a própria Expo, se ter lembrado de mandar gravar a dita para eventual futura exibição em rádio ou televisão ou mesmo edição em disco). É preciso mais? A justificação é antiga, retrógrada, não consciente da sociedade sem fronteiras que hoje caracteriza os regimes de divulgação da cultura, que se projectam à volta do globo, mostrando como marcas de identidade local podem gerar manifestações de curiosidade à descoberta, abrir pontes, estimular futuras trocas.
E o projecto de Saura mais não quer que mostrar aos outros o que é o fado, uma expressão musical portuguesa (talvez mesmo a mais rica expressão musical do nosso país). Carlos Saura tem uma obra reconhecida, uma capacidade de mediatização internacional, e um gosto profundo pelo fado que certamente iria retratar de uma forma nova e estimulante… O filme poderia ser importante valor acrescentado a uma missão de exportação de novas vozes do fado (e consequente nova imagem de Portugal) determinante para a nossa afirmação cultural internacional (com todas as implicações económicas que daí poderiam advir).
As oposições na Câmara de Lisboa duvidam da vocação da EGEAC e do pelouro da Cultura a estas iniciativas. Lisboa? O fado deve ser coisa das Berlengas… Dizem que a autarquia deve concentrar dinheiros em manifestações de rua (as obras, os túneis?), mais eventos (venham, mas bem pensados, que os não temos visto). Talvez o Ministério da Cultura e o do Turismo devessem partilhar gastos, é certo… Mas não é por causa do realizador ser espanhol que se chumba o projecto. Frank Gehry é português?... E o Rock In Rio, que a Câmara apoia, é português?