O cartaz do novo filme de João Botelho — O Fatalista — é feito de uma galeria de personagens apresentadas em pose claramente irrealista, em tom potencialmente burlesco. Faz sentido que assim seja: isto porque Botelho aposta num jogo ambivalente, entre a gravidade e a ironia, o concreto e o abstracto. Trata-se de transpor um texto de finais do século XVIII, pré-Revolução Francesa — Jacques le Fataliste, de Denis Diderot — para um contexto inequivocamente português. Como? Não exactamente através de uma "adaptação", mas sim preservando a dimensão de fábula moral e filosófica sobre a verdade e a falsidade das relações humanas. O resultado, sustentado pelo diálogo desconcertante entre as personagens do patrão e do seu criado — respectivamente Rogério Samora e André Gomes, ambos em tom solto, irónico e certeiro — tem o mérito de evitar qualquer "servilismo" em relação ao texto de Diderot, ao mesmo tempo que se demarca do naturalismo simplista das telenovelas que tentam "imitar" o nosso quotidiano. É, em última instância, um filme desarmado e simples, simplesmente não alinhado.
* Denis Diderot (1713-1784) na Wikipedia
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* Denis Diderot (1713-1784) na Wikipedia