Tal como sucedera nos concertos no passado mês de Maio, Antony (e os Johnsons) tocou uma série de versões no seu monumental e arrebatador recital num Coliseu dos Recreios apinhado de gente e pura emoção. The Guests de Leonard Cohen, Candy Says de Lou Reed, Affraid de Nico e All Is Loneliness de Moondog. Quem?, perguntou então muito boa gente… Antony logo explicou que foi um grande músico que fez obra e vida em Nova Iorque, cego desde a adolescência de um acidente com dinamite. E a sua versão de All Is Loneliness disse o resto, deixando em muitos o apetite de descobrir mais sobre esta estranha figura do underground nova iorquino.
Moondog, de seu nome real Louis Hardin, nasceu no Kansas em 1918 e mudou-se cedo, com a família (religiosa) para uma paisagem rural no Wyoming, onde viveu numa cabana de troncos de madeira como as dos pioneiros, pescou e caçou, ia à escola de cavalo e contactava com tribos nativas, recordando frequentemente o episódio em que, ainda criança, se sentou ao colo do chefe Yellow Calf e este o deixou tocar no taumtaum de pele de búfalo (experiência que acabaria por marcar a sua música mais tarde, tão frequentes que se tornariam as referências a ritmos nativos nas suas composições). Depois de cegar, aos 13 anos, estudou música numa escola para cegos em St Louis, mas a grande parte da sua formação teórica fê-la ele mesmo, lendo em Braille sobre história da música e teoria musical. Começou a escrever peças, compondo em Braille.
Em 1943 mudou-se para Nova Iorque onde contactou com nomes como Bernstein ou Toscanini, mais tarde com Charlie Parker e Benny Goodman. Exposto a novos horizontes, mas herdeiro de uma vivência invulgar, Moondog projectou a sua música num sentido visionário, trabalhando temas modais expandidos por técnicas de contraponto sofisticadas, antecipando formas mais tarde atribuídas ao pós-modernismo. Philip Glass e Steve Reich (com quem partilhou palcos a dada altura), mais tarde, apontaram em si a génese do minimalismo, ao que o humilde, mas espirituoso Moondog respondeu: “Bach já fazia minimalismo nas suas fugas. So what’s new?”… De finais de 50 em diante (primeiras gravações na Prestige, em 1956), a sua obra cresceu versátil, viva, surpreendente, plena de um sentido transversal a diversas visões e sensibilidades da América, das expressões eruditas contemporâneas ao jazz, da exploração da canção à velha admiração pela música nativa. De visual bizarro, durante uma altura conhecido como o Viking de Manhattan, passeava-se pelas ruas de Nova Iorque, onde vendia os seus discos, as suas partituras e tocava ao vivo. A esquina da rua 54 com a sexta avenida, em Manhattan, era o seu paradeiro mais regular. Tanto que acabou designada como a Moondog’s Corner. Apesar de reconhecido nos meios musicais, só depois de velho conheceu a atenção merecida, com actividade editorial e de palco mais intensa nos anos 70 a 90. Moondog morreu na Alemanha em 1999. Tinha 83 anos.
A sua discografia é extensa, parte dela já reeditada em CD (alguns títulos inclusivamente já distribuídos entre nós). Aqui ficam alguns títulos fundamentais, já disponíveis em CD. Entre eles Moondog 2, onde Antony encontrou a versão original de All Is Loneliness.
1956. Moondog (Prestige)
1969. Moondog (Columbia)
1970. Moondog 2 (Columbia)
1977. Moondog In Europe (Kopf)
1978. H’Art Songs (Kopf)
1979. A New Sound Of An Old Instrument (Kopf)
Para iniciados, recomendam-se as compialções Moondog/Moondog 2 (reunião num CD dos álbuns fundamentais de 1969 e 70) e a recente The German Years (que recolhe gravações feitas entre 1977 e 1999).
Ouvidos atentos poderão ter reconhecido, recentemente, um sample de Moondog, mais concretamente, de Bird’s Lament (de Moondog, 1969) no álbum Keep It Unreal de Mr Scruff.
Para mais informações, nada como uma visita ao completíssimo site Moondog’s Corner
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