segunda-feira, novembro 28, 2005

Nicholas Ray (raríssimo): hoje na Cinemateca

É hoje, na sala Luís de Pina, da Cinemateca Portuguesa — uma oportunidade para ver um dos títulos mais míticos, e mais raros, de um dos nomes chave do classicismo de Hollywood: Nicholas Ray (1911-1979). O filme chama-se We Can't Go Home Again (1976) e cor-responde àquele que é, virtualmente, o derradeiro trabalho de realização de Ray — e, mesmo assim, assombrado por problemas que só seriam resolvidos depois da sua morte, com a conclusão da versão montada por Susan Ray (mulher do cineasta) e respectiva apresentação no Festival de Roterdão de 1980.
Ray, convém lembrá-lo, tivera um lugar central na dinâmica clássica de Hollywood. A sua carreira começou em 1948, com o belíssimo Os Filhos da Noite/They Live By Night (DVD, ed. Costa do Castelo), filme sobre um casal jovem errante (Cathy O'Donnell/Farley Granger), cujo romantismo desesperado seria adoptado como herança artística por cineastas das mais diversas origens, incluindo alguns autores da Nova Vaga francesa. Depois, a filmografia de Ray contém títulos marcantes como Johnny Guitar (1954), porventura a mais lendária referência de toda a história do western, e Fúria de Viver (1955), momento emblemático na breve e fulgurante carreira de James Dean. Com a desmontagem do sistema clássico de estúdios, Ray viu-se compelido a trabalhar em registos de superprodução que lhe eram estranhos, processo que, em 1963, o conduziu a aceitar dirigir 55 Dias em Pequim. A rodagem do filme — durante a qual o realizador sofreu um ataque cardíaco — decorreu em conflito aberto com o produtor (Samuel Bronston), tornando Ray persona non grata em Hollywood.
We Can't Go Home Again é menos um filme e mais uma impressionante colecção de filmes "impossíveis", feitos por Ray, durante o ano de 1976, com a colaboração dos seus alunos da Universidade de Nova Iorque. Trata-se de uma teia de fragmentos de experimentação e reflexão existencial que, no seu carácter "desordenado", antecipa muitas experiências formais e narrativas da era digital. A montagem de Susan Ray foi feita a partir de nove horas de material rodado em diversos formatos (video e película de 35, 16, 8mm e super 8), sendo o resultado final um mosaico onde podemos sentir a energia criativa de Ray e também a imensa tristeza dos seus anos finais.
Em 1979, sofrendo de um cancro, nos seus meses finais de vida, Ray foi ainda filmado por Wim Wenders numa espécie de requiem cinematográfico nascido da cumplicidade dos dois cineastas: chama-se Lightning Over Water e, na sua assumida relação com as sombras da morte, é um objecto único em toda a história do cinema (o filme existe em DVD, ed. Atalanta Filmes, com o título Nick's Movie - Um Acto de Amor).
* Cinemateca: hoje, dia 28, 18h30

* Sobre Nicholas Ray: artigo de Jonathan Rosenbaum em Senses of Cinema

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