Algures, em Anatahan, uma ilha esquecida do Pacífico, um grupo de soldados japoneses vive refugiado da guerra: a única mulher da ilha é objecto de fixação de todos os homens e também motivo de crescentes conflitos — os anos passam e, de facto, a guerra já terminou, mas na ilha ninguém sabe...
Poderia ser o ponto de partida de um conto do absurdo sobre a condição humana. E é-o, num certo sentido: The Saga of Anatahan (1953), derradeiro filme de Josef von Sternberg (1894-1969), pode definir-se como uma parábola filosófica em que as relações humanas se transfiguram em ilusões e assombramentos, até ao ponto em que a fragilidade da vida e a nitidez da morte, pura e simplesmente, se equivalem. A sua passagem na Cinemateca é também uma preciosa oportunidade para descobrir um objecto muito pouco exibido que, além do mais, na secura do seu "realismo surreal", contrasta com as imagens mais conhecidas do cinema de Sternberg, ou seja, os sete filmes em que dirigiu Marlene Dietrich, de O Anjo Azul (1930) a The Devil Is a Woman (1935). No seu limite mais cruel, Anatahan é o lugar da impossibilidade fulcral do cinema de Sternberg: a da fusão pelo amor, num mundo onde tudo se apresenta saturado de sexualidade e onde nenhuma troca carnal parece possível — uma obra-prima rara, inclassificável, sempre envolvente.
* Cinemateca: terça, dia 4, 19h00
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Poderia ser o ponto de partida de um conto do absurdo sobre a condição humana. E é-o, num certo sentido: The Saga of Anatahan (1953), derradeiro filme de Josef von Sternberg (1894-1969), pode definir-se como uma parábola filosófica em que as relações humanas se transfiguram em ilusões e assombramentos, até ao ponto em que a fragilidade da vida e a nitidez da morte, pura e simplesmente, se equivalem. A sua passagem na Cinemateca é também uma preciosa oportunidade para descobrir um objecto muito pouco exibido que, além do mais, na secura do seu "realismo surreal", contrasta com as imagens mais conhecidas do cinema de Sternberg, ou seja, os sete filmes em que dirigiu Marlene Dietrich, de O Anjo Azul (1930) a The Devil Is a Woman (1935). No seu limite mais cruel, Anatahan é o lugar da impossibilidade fulcral do cinema de Sternberg: a da fusão pelo amor, num mundo onde tudo se apresenta saturado de sexualidade e onde nenhuma troca carnal parece possível — uma obra-prima rara, inclassificável, sempre envolvente.
* Cinemateca: terça, dia 4, 19h00