Tom Schilling no papel de Jakob Fabian: memórias assombradas |
Inspirando-se num romance de Erich Kästner, Fabian é um magnífico exemplo de um cinema alemão que, afinal, conhecemos tão mal — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 outubro).
O escritor alemão Erich Kästner, autor do clássico infantil Emílio e os Detectives, publicou o romance Fabian em 1931. O seu perene impacto decorre da capacidade de retratar ambiências da República de Weimar, dando conta de uma decomposição das relações humanas paralela ao pressentimento da ditadura nazi.
A adaptação cinematográfica de Fabian, realizada por Dominik Graf, é um pequeno prodígio narrativo, encenando as desventuras de Jakob Fabian, aspirante a escritor que vai desgastando talento e energias como funcionário do departamento de publicidade de uma companhia de tabaco. O encontro com Cornelia Battenberg, actriz a tentar consolidar uma carreira, adquire uma dimensão eminentemente trágica — o radicalismo do seu amor revela-se, afinal, frágil para resistir aos fantasmas que vão ganhando corpo no dia a dia de uma Berlim de muitos assombramentos.
Se há herança que faz sentido citar a propósito do trabalho de Graf será, inevitavelmente, a de Rainer Werner Fassbinder e, em particular, o seu Berlin Alexanderplatz (1980), baseado no livro de Alfred Döblin. Seja como for, Graf não se refugia numa atitude copista. Muito distante de qualquer tom “ilustrativo”, alheio às convenções do telefilme “histórico”, Fabian vai-se desenvolvendo como uma teia de factos e emoções (notável montagem de Claudia Wolscht!) que, em última instância, depende de um admirável elenco, com obrigatório destaque para os intérpretes de Fabian e Cornelia, respectivamente Tom Schilling e Saskia Rosendahl.
Ela foi a grande revelação de Lore (2012), de Cate Shortland, retrato pungente dos filhos de um oficial nazi, no final da guerra; ele surgiu, por exemplo, em Suite Francesa (2014), adaptação do romance de Irène Némirovsky dirigida por Saul Dibb; ambos protagonizaram o brilhante Nunca Deixes de Olhar (2018), de Florian Henckel von Donnersmarck, retrato da vida de um pintor alemão, da época nazi até à divisão da Alemanha em dois países. Fabian serve, enfim, para nos lembrar que há um cinema alemão que importa continuar a descobrir.