Monte Hellman, um dos nomes emblemáticos da produção americana dos anos 60/70, faleceu no dia 20 de abril, contava 91 anos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 abril).
Em 2012, durante o Lisbon & Estoril Film Festival, tive o privilégio de fazer uma breve entrevista a Monte Hellman (publicada no DN, 17 novembro). Para lá da amabilidade da sua postura e da concisão das suas palavras, não me esqueci do modo como comentou a questão (porventura agora ainda mais dramática do que naquela altura) do conhecimento dos filmes através dos novos ecrãs virtuais.
Assim, quando observei que muitos espectadores, sobretudo mais jovens, passaram a ver filmes apenas no computador ou em ecrãs ainda mais pequenos, Hellman sublinhou: “Por vezes mesmo muito pequenos… É uma perda: não há nada que se compare a uma boa projecção num grande ecrã. E quanto maior, melhor! A melhor projecção que vi de Two-Lane Blacktop / A Estrada Não Tem Fim foi num “drive-in”, com um ecrã quatro vezes maior do que numa sala normal.”
As palavras de Hellman são tanto mais sugestivas quanto aquela que seria a sua derradeira longa-metragem — Road to Nowhere / Sem Destino (2010) — nasce de uma calculada ambiguidade. Por um lado, retrata os bastidores de um filme produzido com os recursos específicos das técnicas mais recentes; por outro lado, há nele um desejo de ficção que não faz sentido desligar de uma dimensão eminentemente clássica em que o realismo pode ser apenas uma porta para qualquer coisa de onírico.
Vale a pena recordar, por isso, que Hellman foi também um dos criadores mais emblemáticos do tempo em que os géneros clássicos foram sendo metodicamente decompostos. Os seus “westerns”, em particular, reflectem o desencanto de uma América que ainda circula pelos seus lugares mitológicos, mas já não pode renovar as suas ilusões utópicas.
Filmes como Duelo no Deserto e O Furacão (ambos de 1966) são testemunho dessa transformação, nessa medida mantendo uma actualidade simbólica, no mínimo, perturbante. Curiosamente, Jack Nicholson lidera os respectivos elencos, surgindo também como produtor e, no segundo caso, autor do argumento. Nessa medida, a obra de Hellman foi uma janela aberta para a reconversão do trabalho dos actores ao longo das décadas de 60/70.
A sua herança envolve, por isso, a defesa de um espírito genuinamente independente. E não apenas porque a sua trajectória, muito marcada pela ligação ao produtor Roger Corman, se manteve distante das lógicas dos grandes estúdios. Também porque, para Hellman, o cinema foi sempre um domínio disponível para a sua própria reinvenção, como Road to Nowhere tão modelarmente exemplifica. De forma mais incisiva, com ligeiro tempero de ironia, recordo mais algumas palavras da conversa no Estoril: “Se rodarmos uma cena dentro de quatro paredes, isso é teatro; mas a partir do momento em que há uma janela para a rua, para a estrada, então torna-se cinema.”