domingo, junho 14, 2020

Olhar os animais, com John Berger

JL [23 Maio 2020]

>>> Os olhos do animal, quando consideram o homem, estão atentos e desconfiados. Esse animal pode perfeitamente olhar outras espécies do mesmo modo. Não dedica um olhar particular ao homem. Mas nenhuma espécie a não ser o homem reconhecerá o olhar do animal como sendo-lhe familiar. Outros animais são dominados pelo olhar. O homem torna-se consciente de si mesmo ao devolver o olhar.

JOHN BERGER
ed. Antígona (Maio 2020)

Romancista, filósofo, ensaísta, o inglês John Berger (1926-2017) foi também um criador de imagens e sons. Entenda-se: um homem de televisão e cinema — é dele a série Ways of Seeing (BBC, 1972), que daria origem ao livro homónimo, como são dele vários argumentos para filmes do suíço Alain Tanner, incluindo Jonas que Terá 25 Anos no Ano 2000 (1976).
Porquê Olhar os Animais? é o título de um artigo que publicou em 1977, e também desta antologia agora lançada no mercado português (prolongando a atenção que a editora Antígona tem prestado à sua obra). A pergunta introduz, desde logo, essa dialéctica nunca resolvida, ou melhor, nunca encerrada, entre o animal que nos olha e nós que lhe devolvemos o olhar. Berger possui a agilidade de pensamento e exposição que lhe permite articular os dados da coexistência homem/animal com as mais diversas componentes, das convulsões da economia às derivas mitológicas da humanidade. Daí também a permanente contaminação das matrizes da escrita — a análise antropológica suscita a interrogação filosófica, a intervenção crítica não é estranha à sensualidade do romanesco. Enfim, o reencontro com um grande escritor, inventor de lugares de liberdade através de todas as escritas.