De Greta Thunberg a Billie Eilish, o espaço mediático está cheio de figuras que, de uma maneira ou de outra, encenam a juventude dos nossos dias. Como lidar com tudo isso sem promover os clichés juvenis? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Dezembro).
A sagração mediática de Greta Thunberg relançou no nosso quotidiano um insidioso cliché geracional. Ou de cruzamento de gerações. A saber: devemos reaprender com os jovens a candura das verdades mais básicas que nós, adultos e cínicos, costumamos evitar.
Este é um tempo em que, de facto, em nome da juventude, se perpetram as maiores grosserias comunicacionais. Observe-se a cruel decomposição das linguagens da MTV: o canal da música que desempenhou um papel revolucionário na década de 80 especializou-se em encenar os mais jovens como patéticas personagens de universos contaminados pelas leis da “reality TV”.
O caso de Thunberg é tanto mais revelador quanto a sua importante cruzada em defesa do planeta nos leva a reconhecer o paradoxo da sua performance pública. Por um lado, ela tem servido de porta-voz das mais sérias inquietações sobre o aquecimento global, a ponto de ser visada por um lamentável tweet de Donald Trump (aconselhando-a a obter tratamento para a “raiva” das suas intervenções); por outro lado, a sua omnipresença no espaço público favorece essa adoração beata dos mais jovens como anjos salvadores de coisa nenhuma.
Nada disto, entenda-se, envolve qualquer reticência perante a criatividade, a inteligência e até a qualidade da intervenção política que pode emanar dos mais jovens. Lembremos apenas o exemplo de Emma González, uma das sobreviventes da tragédia do Stoneman Douglas High School (Parkland, Califórnia), em que um atirador matou 17 estudantes. O seu discurso de 17 de fevereiro de 2018 (três dias depois do massacre) ficou como gesto modelar de consciência cívica e política, tendo sido, aliás, citado por Madonna na sua canção I Rise, do álbum Madame X. Sintoma esclarecedor: a canção foi quase ignorada, suplantada pela magna questão do número de lugares de estacionamento concedidos pela autarquia lisboeta a Madonna…
Entenda-se também: nada disto pretende favorecer qualquer visão (ainda mais) generalista do estado de coisas da juventude. Importa estarmos atentos à pluralidade dos acontecimentos, tendências ou modas, sem esquecer que é sempre possível agir e pensar um pouco ao lado da preguiça do óbvio.
Cito, a propósito, o fenómeno, a meu ver fascinante, da americana Billie Eilish, 17 anos (completará 18 a 18 de dezembro). Creio que o seu álbum de estreia, When We Fall Asleep, Where Do We Go?, lançado em março deste ano, bastaria para lhe conferir um lugar de destaque nas mais recentes convulsões e experimentações da música pop. Acontece que Eilish é também uma verdadeira artista das imagens. E não pelo facto de mudar de visual com festiva agilidade (em tempos recentes, teve uma fase de unhas e cabelos pintados de verde). Em particular através dos telediscos das suas canções, ela tem sabido encenar um misto de celebração e angústia que envolve uma pergunta singela: como ser adolescente e procurar a identidade adulta?
O novíssimo teledisco de Eilish, para a canção Xanny, parece-me uma admirável derivação criativa a partir de tal pergunta (apesar de tudo, até pode ser visto na MTV…). A canção resiste à profilaxia social do Xanax (“xanny”), proclamando que “não preciso de um xanny para me sentir melhor”. Eilish surge sentada num banco, comentando o facto de estar sujeita ao fumo passivo (“second hand smoke”), ao mesmo tempo que diversas mãos entram em campo, apagando cigarros no seu próprio rosto.
É uma representação de perturbante intensidade cuja chave não está no aparente masoquismo das imagens (afinal, os efeitos especiais não servem apenas para por a voar os super-heróis da Marvel…). O que conta é a despojada solidão das palavras: “Que se passa com eles? / Há qualquer coisa que me está a escapar / Continuam sem fazer nada / Demasiado intoxicados para sentir medo.” Eis um radical axioma ideológico: no tempo do entorpecimento fabricado por todos os alarmistas mediáticos, conseguir voltar a ter medo.