domingo, março 17, 2019

Elza Soares ou o triunfo do presente

Nome mítico da cultura brasileira, Elza Soares é, agora, figura central do filme My Name Is Now, um documentário que é também uma celebração da sua contagiante energia — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Março).

Como é que, tradicionalmente, o cinema retrata alguém que canta? Pois bem, através da mais simples combinação: imagens das respectivas performances, em palco ou em estúdio, e depoimentos do próprio retratado, comentando a sua história e as singularidades do seu cantar.
O mínimo que se pode dizer de My Name Is Now é que se trata de um objecto paradoxal: por um lado, o filme realizado por Elizabete Martins Campos cumpre essa agenda tradicional, celebrando as canções de Elza Soares em ziguezague entre a bossa nova e o jazz, sem ignorar a soul e o punk; por outro lado, a energia da protagonista faz com que o documentário, sem deixar de cumprir as suas funções informativas, funcione também como um ritual cúmplice do misto de transparência e mistério que define aquela que é uma verdadeira lenda da cultura brasileira.
O título é em inglês, mas não remete para qualquer “versão internacional” em que, por vezes, alguns filmes são difundidos. Nada disso. A expressão “my name is now” (à letra: “o meu nome é agora”) constitui uma espécie de axioma íntimo da própria Elza Soares, definindo a emoção, a urgência e o radicalismo da sua relação com o aqui e agora — para ela, cantar envolve o triunfo do presente, contra as agruras do passado, desafiando todas as formas de futuro.


Com mais de 80 anos de idade (as fontes informativas divergem, apontando 1930 ou 1937 como data do seu nascimento), e para além do seu lugar ímpar na história da música brasileira, Elza Soares é também uma fascinante presença cinematográfica. No sentido mais primitivo que tal presença pode envolver: há nela uma relação com a câmara de filmar que oscila entre a resistência e a entrega, a confissão mais desnudada e o teatro mais elaborado.
Por tudo isso, My Name Is Now é um filme que merece ser descoberto. A provar também uma evidência rudimentar que alguma crítica de cinema não tem deixado de sublinhar ao longo dos últimos 40 anos: as expressões mais genuínas da cultura brasileira não podem ser reduzidas ao universo formatado e repetitivo das telenovelas.